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terça-feira, 26 de março de 2013

Que sentido deu Jesus à sua morte?

Da tarde de hoje à tarde de Domingo decorre o Tríduo Pascal, ou seja, a celebração da Paixão, Morte, Sepultura e Ressurreição de Jesus. São acontecimentos cheios de densidade histórica e religiosa, que conferem a esta semana os apelidos de «santa», «maior» e «autêntica».

A tarde de hoje é dedicada à Última Ceia, que não se identifica com a ceia pascal judaica (essa celebrava-se na sexta, véspera do Sábado, dia de Páscoa judaica). A Ceia de Jesus na quinta foi uma ceia de despedida dos seus discípulos e nela nasceriam a Eucaristia, o Sacerdócio católico e o Mandamento novo.

A proclamação da paixão, morte, sepultura e ressurreição como acto de fé ocupa o centro do Credo católico, logo depois da proclamação da fé no Pai Criador e em Jesus Cristo, sua geração eterna e histórica, e antes de proclamar a fé no Espírito Santo, na Igreja, na remissão dos pecados e na vida eterna. 

O tríduo pascal coloca esse núcleo central em forma celebrante: assim como o credo, sem essa parte, seria um corpo sem coração, assim o conjunto das festas religiosas do ano, sem o tríduo pascal, seria uma algazarra religiosa.
 
Os estudiosos contemporâneos do caso de Jesus dirigem a sua atenção em duas direcções: o que era e que finalidades tinha a crucifixão, qual o grau de responsabilidade que os Judeus e dos Romanos tiveram na crucifixão de Jesus. Os teólogos acrescentam uma terceira: que sentido deu Jesus à sua morte, como é que Ele viveu por dentro a sua morte?

A prática antiga da crucifixão é de origem persa, foi usada entre bárbaros como castigo político e militar da classe alta. Os Gregos e, depois, os Romanos adoptaram-na. Entre estes, o suplício da cruz só era utilizado para as classes baixas. À crueldade própria do suplício correspondia o seu carácter infamante, escandaloso e mesmo obsceno. O crucificado era normalmente privado de sepultura, e abandonado aos animais selvagens ou às aves de rapina. Tinha por fim desumanizar ao máximo a morte e tirar a dignidade ao supliciado pela forma de morrer. 

A crucifixão e morte de Jesus vêm referidas em documentos históricos exteriores à fé (Tácito, Flávio Josefo). E, das fontes cristãs, dispomos de quatro textos sobre a cronologia dos acontecimentos. A única dúvida refere-se ao processo jurídico nocturno da quinta para a sexta: a rapidez com que tudo se desencadeia leva os estudiosos de hoje a pensar que não houve um processo jurídico digno desse nome, mas uma comparência «informal» de Jesus (Sesboué). Um processo mais que sumário, diríamos nós. 

O único problema que preocupa os nossos contemporâneos acerca da morte de Jesus é saber qual a responsabilidade dos Judeus e dos Romanos. Durante séculos, a tradição cristã inclinou-se para culpabilizar o povo Judeu e daí um certo anti-semitismo, que o Concílio Vaticano II reprovou claramente. «No estado actual da investigação é difícil ir além de uma responsabilidade partilhada pelas autoridades judaica e romana do tempo e de uma certa forma de conluio de desconfiança recíproca»
 
Muito mais importante que essa questão jurídica é conhecer que sentido deu Jesus á sua própria morte, isto é, como é que Ele entendeu e viveu a sua morte.

A resposta encontra-se na pregação de Jesus, no que Ele disse durante o processo condenatório. Durante a sua vida Jesus apresentou sempre a paixão, morte, sepultura e ressurreição como o alvo a atingir, «a sua hora», a hora em Ele realizaria o seu sonho. Seria um erro histórico e uma violência à leitura bíblica falar da prisão, da paixão e da morte de Jesus como surpresas que viessem cortar um outro plano de vida. «E que direi: Pai, livra-me desta hora? Mas por causa desta hora é que eu vim ao mundo», explicou o próprio Jesus. 

Também ajuda a compreender o sentido que Ele deu à sua morte o que se seguiu à morte de Jesus – a ressurreição e o comportamento dos seus seguidores. Ainda que a ressurreição não pertença propriamente à história (pois esse facto já não está pautado pelo tempo e pelo espaço), documenta-se o seu efeito no comportamento das pessoas que dizem ter falado e vivido algum tempo (bastam horas) com Jesus ressuscitado e cujo testemunho não podemos pôr em causa, e na própria evolução da sociedade do tempo. 

Na Última Ceia Jesus dissera em breves palavras o sentido da sua morte: «tomai e comei, isto é o meu corpo que vai ser entregue por vós; tomai e bebei, isto é o meu sangue que vai ser derramado por vós e por muitos para remissão dos pecados».

A Ceia de Jesus é a chave hermenêutica dos dias seguintes, é a clave da partitura musical que vai ouvir-se.


Joaquim Gonçalves, Bispo emérito de Vila Real


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