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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O Cardeal entra na Igreja de Roma, não entra numa corte

Homilia do Papa Francisco na Santa Missa com os novos cardeais


Cidade do Vaticano, 24 de Fevereiro de 2014 (Zenit.org)


Apresentamos a homilia do Papa Francisco pronunciada durante a Santa Missa com os novos cardeais neste domingo, 23 de Fevereiro, na Basílica Vaticana.

«A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito» (Colecta).

Esta oração, pronunciada no início da Missa, convida-nos a uma atitude fundamental: a escuta do Espírito Santo, que vivifica a Igreja e a anima. Com a sua força criativa e renovadora, o Espírito sustenta sempre a esperança do povo de Deus que caminha na história, e sempre sustenta, como Paráclito, o testemunho dos cristãos. Neste momento, todos nós, juntamente com os novos Cardeais, queremos ouvir a voz do Espírito que nos fala através das Escrituras proclamadas.

Na primeira Leitura, ressoou este apelo do Senhor ao seu povo: «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2). E faz-lhe eco, Jesus, no Evangelho: «Haveis, pois, de ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48). Estas palavras interpelam-nos a todos nós, discípulos do Senhor; e hoje são dirigidas especialmente a mim e a vós, queridos Irmãos Cardeais, de modo particular a vós que ontem começastes a fazer parte do Colégio Cardinalício. Imitar a santidade e a perfeição de Deus pode parecer uma meta inatingível; contudo, a primeira Leitura e o Evangelho sugerem os exemplos concretos para que o comportamento de Deus se torne a regra do nosso agir. Lembremo-nos, porém, todos nós…, lembremo-nos de que o nosso esforço, sem o Espírito Santo, seria vão! A santidade cristã não é, primariamente, obra nossa, mas fruto da docilidade (deliberada e cultivada) ao Espírito do Deus três vezes Santo.

O Levítico diz: «Não odieis um irmão vosso no íntimo do coração (...). Não vos vingueis; não guardeis rancor (...). Amai o vosso próximo» (19, 17-18). Estas atitudes nascem da santidade de Deus. Nós, porém, habitualmente somos tão diferentes, tão egoístas e orgulhosos... e no entanto a bondade e a beleza de Deus atraem-nos, e o Espírito Santo pode purificar-nos, pode transformar-nos, pode moldar-nos dia após dia. Fazer este trabalho de conversão, conversão no coração, conversão que todos nós (especialmente vós, Cardeais, e eu) devemos fazer. Conversão!

No Evangelho, também Jesus nos fala da santidade e explica a nova lei – a sua. Fá-lo através de algumas antíteses entre a justiça imperfeita dos escribas e fariseus e a justiça superior do Reino de Deus. A primeira antítese do texto de hoje tem a ver com a vingança. «Ouvistes que foi dito aos antigos: “Olho por olho e dente por dente”. Pois Eu digo-vos: (...) se alguém te bater na face direita, apresenta-lhe também a outra» (Mt 5, 38-39). Não só não devemos restituir ao outro o mal que nos fez, mas havemos também de esforçar-nos por fazer o bem magnanimamente.

A segunda antítese refere-se aos inimigos: «Ouvistes que foi dito: “Hás-de amar o teu próximo e odiar o teu inimigo”. Pois Eu digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem» (5, 43-44). A quem quer segui-Lo, Jesus pede para amar a pessoa que não o merece, sem retribuição, a fim de preencher as lacunas de amor que há nos corações, nas relações humanas, nas famílias, nas comunidades e no mundo. Irmãos Cardeais, Jesus não veio para nos ensinar as boas maneiras, as cortesias; para isso, não era preciso que descesse do Céu e morresse na cruz. Cristo veio para nos salvar, para nos mostrar o caminho, o único caminho de saída das areias movediças do pecado, e este caminho de santidade é a misericórdia, aquela que Ele usou e usa cada dia connosco. Ser santo não é um luxo, é necessário para a salvação do mundo. Isto é o que o Senhor nos pede.

Queridos Irmãos Cardeais, o Senhor Jesus e a mãe Igreja pedem-nos para testemunharmos, com maior zelo e ardor, estas atitudes de santidade. É precisamente neste suplemento de oblatividade gratuita que consiste a santidade de um Cardeal. Por conseguinte, amemos aqueles que nos são hostis; abençoemos quem fala mal de nós; saudemos com um sorriso a quem talvez não o mereça; não aspiremos a fazer–nos valer, mas oponhamos a mansidão à prepotência; esqueçamos as humilhações sofridas. Deixemo-nos guiar sempre pelo Espírito de Cristo: Ele sacrificou-Se a Si próprio na cruz, para podermos ser «canais» por onde passa a sua caridade. Este é o comportamento, esta é deve ser a conduta de um Cardeal. O Cardeal (digo-o especialmente a vós) entra na Igreja de Roma, Irmãos, não entra numa corte. Evitemos todos (e ajudemo-nos mutuamente a evitar) hábitos e comportamentos de corte: intrigas, críticas, facções, favoritismos, preferências. A nossa linguagem seja a do Evangelho: «Sim, sim; não, não»; as nossas atitudes, as das bem-aventuranças; e o nosso caminho, o da santidade. Rezemos mais uma vez: «A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito».

O Espírito Santo fala-nos, hoje, também através das palavras de São Paulo: «Sois templo de Deus (…); o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós» (1 Cor 3, 16-17). Neste templo que somos nós, celebra-se uma liturgia existencial: a da bondade, do perdão, do serviço; numa palavra, a liturgia do amor. Este nosso templo fica de certo modo profanado, quando descuidamos os deveres para com o próximo: quando no nosso coração encontra lugar o menor dos nossos irmãos, é o próprio Deus que aí encontra lugar; e, quando se deixa fora aquele irmão, é o próprio Deus que não é acolhido. Um coração vazio de amor é como uma igreja dessacralizada, subtraída ao serviço de Deus e destinada a outro fim.

Queridos Irmãos Cardeais, permaneçamos unidos em Cristo e entre nós! Peço-vos que me acompanheis de perto, com a oração, o conselho, a colaboração. E todos vós, bispos, presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e leigos, uni-vos na invocação do Espírito Santo, para que o Colégio dos Cardeais seja cada vez mais inflamado de caridade pastoral, cada vez mais cheio de santidade, para servir o Evangelho e ajudar a Igreja a irradiar pelo mundo o amor de Cristo.

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