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sexta-feira, 28 de março de 2014

«A alma subsiste. Não é que o creia. Sei-o», dizia o filósofo Jean Guitton, já com 90 anos

«A morte não é momento de angústia, mas sim de paz e calma» 

O reputado filósofo e escritor católico ainda tinha forças para
continuar escrevendo e filosofando
Actualizado 24 de Março de 2014

Avvenire / Alfa y Omega

O escritor francês Jean-Jacques Antier entrevistou Jean Guitton, o filósofo e escritor francês, quando escreveu, superados já os 90 anos, uma nova obra: O livro da sabedoria e das virtudes reencontradas. Guitton morreu em 1999. A entrevista recordou-a em italiano Avvenire, e em espanhol, Alfa y Omega.

- A onde vai a Humanidade?
- Está na vigília de uma transformação decisiva. Os pessimistas pensam que vai até uma autodestruição geral. A sobrevivência da vida humana não está assegurada por antecipado, pois o progresso moral e espiritual não foi ao mesmo passo que o técnico, material e intelectual.

- E isto assusta-o?
- Interroga-me. Assistimos a uma aceleração exponencial do saber, em todos os campos. Um homem por si só, sentado perante o seu computador, poderá aceder à totalidade do saber. A Humanidade encontra-se perante uma situação com a qual nunca se tinha enfrentado. Não sabemos que nos espera e não temos modelos para afrontar este perigo. Fica-nos pouquíssimo tempo para preparar-nos. Entramos com os olhos fechados num tempo metafísico. Ninguém quer ouvir falar disto. Preferem ficar-se nas que Pascal chama soluções do «divertissement».

- E a sua resposta à pergunta: "Aonde vai a evolução"?
- Constatamos que o vivo se desenvolve até uma complexidade crescente, acompanhada, no homem, de um despertar e engrandecimento da consciência. Sou dos que pensam que a consciência culmina na experiência mística. 

- Os sábios sugerem parar o progresso, fazer um alto, para permitir à consciência moral recuperar o seu atraso.
- Parar-se? Impossível, porque nem todos o tem de todo. Já não navegamos sobre um rio largo e tranquilo. Converteu-se numa estreita corrente entre duas altas margens, sem possíveis vias de escape. Cerramos os olhos e os ouvidos. Mas os mais atentos escutam já o estrondo ensurdecedor da cascata, o Niágara até a qual o rio Vida se está precipitando.

- Você ouve-o?
- Sim. Os sinais negativos abundam. Mostram a necessidade de uma mudança. As desigualdades, a incapacidade da sociedade, que pretende ser a mais avançada do mundo, de assegurar trabalho aos seus jovens; as cidades inumanas rodeadas de periferias desesperadas; a desintegração da família, a degradação dos costumes, a corrupção das Administrações, a violência, o racismo, o ódio.

É significativo que a automatização, progresso material decisivo, produza, quando vai bem, uma maioria de pessoas amontoadas e embrutecidas pela televisão, e, quando vai mal, marginalizados, potenciais rebeldes, toxicodependentes e delinquentes.

A excepção é uma pequena minoria que soube conservar e desenvolver os verdadeiros valores.

- Que sabe você da morte?
- Sei o que sei e o que creio. Conhecemos tão pouco o facto da morte! Porque todos o experimentam, mas ninguém pode comunicar a sua experiência. Este é o paradoxo da morte: tão comum, tão próxima, tão vista desde fora, mas no fundo ininteligível, intraduzível, secreta.

- Muitos estão angustiados por ela...

- E se fosse só a recordação do medo a nascer? Numerosos testemunhos me disseram que a morte não é um momento de angústia, mas sim de calma e de paz. O mundo se atenua, se apaga. A impressão é de que outro mundo está nascendo. Um assentimento ao que ainda não chegou. Compreendi que é mais alto que vencer ou viver: é entregar-se.

Claudel fala desta alegria que se encontra na última hora. E eu sou esta mesma alegria e o segredo que não pode dizer-se. Marguerite Yourcenar dizia-me que a morte lhe parecia como uma consagração, da que só os mais puros são dignos: Muitos se decompõem, mas poucos são os que morrem.

A desaparição do corpo põe melhor de relevo esta imprevista coincidência de nós mesmos com o que somos em essência: o espírito. Este é o fundo do mistério da morte.

Jean Guitton com o Papa Pablo VI
- Alguém falou de voluptuosidade?
- La Fontaine: Morte e voluptuosidade olharam-se na cara: estes dois rostos eram um só. Teresa de Ávila, que tinha alguma experiência dos estados de separação do corpo e da alma, dizia que a morte devia parecer-se a um rapto.

- Que sucede depois de que a tumba se fechou sobre o corpo?
- A alma subsiste. O espírito. O ser só, o eu profundo não foi abolido, vive misteriosamente. E inclusive está mais vivo que quando nós vivíamos.

- Você o crê, não é certo?
- Eu sei-o. Se não, não seria um mistério, mas sim um absurdo. Nunca duvidei entre o absurdo da negação e o mistério do sim consciente ao amor. A morte é um novo nascimento que todas as nossas capacidades, nossos desejos, permitem intuir.


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