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sábado, 22 de março de 2014

Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de nos inserir num mundo de feridos

Discurso do Papa Francisco aos Bispos da Conferência Episcopal de Timor-Leste


Cidade do Vaticano, 21 de Março de 2014 (Zenit.org)


O Papa Francisco recebeu na segunda-feira (17), no Vaticano, os três bispos que compõem a Conferência Episcopal de Timor-Leste, em visita ad Limina Apostolorum. Eis a íntegra do discurso:

Amados irmãos no episcopado!

No amor de Cristo, saúdo cordialmente toda a Igreja de Deus em Timor Leste, aqui representada por vós, seus pastores, que viestes «conhecer Pedro» na pessoa do seu Sucessor e «pôr à sua apreciação» o vosso serviço à causa do Evangelho (cf. Gal 1, 18; 2, 2). Agradeço a D. Basílio, bispo de Baucau e presidente da Conferência Episcopal, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todos e que manifestam o crescimento admirável das vossas comunidades e o seu anseio de serem fiéis ao Evangelho. Alegro-me convosco, porque a sementeira da Boa Nova de Jesus, iniciada na vossa terra há quase quinhentos anos, cresceu e frutificou num povo que, desde a grande provação do último quartel do século XX, decidida e corajosamente se confessa católico. A criação da nova diocese de Maliana, nos princípios de 2010, e a instituição da Conferência Episcopal Timorense, nos fins de 2011, são sinais positivos da obra que o Senhor iniciou entre vós e quer levar a bom termo (cf. Flp 1, 6).

Estes sinais, ao mesmo tempo que exprimem a radicação da Igreja em Timor, convidam os seus filhos e filhas a um testemunho alto de vida cristã e a um redobrado esforço de evangelização para levarem a Boa Nova a todos os estratos da sociedade, transformando-a a partir de dentro (cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 18). Pelos vossos relatórios quinquenais e demais notícias, pude dar-me conta do espírito fraterno que anima o povo timorense e os seus líderes na construção duma nação livre, solidária e justa para todos. Ao longo destes anos que vos separam da última visita ad limina (realizada em Outubro de 2002, ou seja, poucos meses depois do suspirado e venturoso nascimento da vossa Pátria), não faltaram dolorosas surpresas de ajustamento nacional, com a Igreja a recordar as bases necessárias duma sociedade que pretenda ser digna do homem e do seu destino transcendente. Estou certo de que vós, com os sacerdotes, continuareis a desempenhar a função de consciência crítica da nação, mantendo para isso a devida independência do poder político numa colaboração equidistante que lhe deixe a responsabilidade de cuidar e promover o bem comum da sociedade.

De facto, a Igreja pede apenas uma coisa no âmbito da sociedade: a liberdade de anunciar o Evangelho de modo integral, mesmo quando vai contra corrente defendendo valores que ela recebeu e a que deve permanecer fiel. E vós, queridos irmãos, não tenhais medo de oferecer esta contribuição da Igreja para bem da sociedade inteira. Faz-nos bem lembrar estas palavras do Concílio Vaticano II: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (Const. past. Gaudium et spes, 1). Na verdade o Pai do Céu, ao enviar seu Filho na nossa carne, pôs em nós as suas entranhas de misericórdia. E, sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de nos inserir num mundo de “feridos” que tem necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Por isso, não me canso de chamar a Igreja inteira à «revolução da ternura» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 88). Os agentes de evangelização devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de dialogar com as suas ilusões e desilusões, de recompor as suas desintegrações.

Sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as etapas possíveis de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Por isso, na partilha fraterna e solidária da Conferência Episcopal, voltai repetidamente sobre este desafio duma sólida formação de sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Grandes esperanças depositais nos vossos Seminários, Noviciados e, ultimamente, no Instituto Superior de Filosofia e Teologia «Dom Jaime Garcia Goulart»; mas não deixeis de provocar e fazer crescer a corrente de solidariedade também entre outras Igrejas locais, nomeadamente com o envio de seminaristas maiores para fazerem seus estudos em universidades eclesiásticas ou (talvez com maior proveito) sacerdotes para as especializações mais necessárias aos diversos serviços da comunidade eclesial de Timor Leste. Fazem falta formadores e professores qualificados de teologia nomeadamente para consolidarem os resultados alcançados no campo da evangelização enriquecendo a Igreja com o seu “rosto timorense”.

Naturalmente não se pretende uma evangelização realizada apenas por agentes qualificados, enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas acções. Pelo contrário, temos de fazer de cada cristão um protagonista. «Se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que a salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe dêem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus» (Ibid., 120). E, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, não poderá conter o desejo de o comunicar aos outros. Aqui está a fonte da acção evangelizadora. O coração crente sabe que, sem Jesus, a vida não é a mesma coisa. Pois bem! Aquilo que descobriu, o que o ajuda a viver e lhe dá esperança, isso deve comunicar aos outros.

Como sabemos, amados irmãos, em todos os baptizados (desde o primeiro ao último) actua o Espírito que impele a evangelizar. Esta «presença do Espírito confere aos cristãos uma certa conaturalidade com as realidades divinas e uma sabedoria que lhes permite captá-las intuitivamente, embora não possuam os meios adequados para expressá-las com precisão» (Ibid., 119). Nestas limitações da linguagem, vemos aflorar a necessidade de evangelizar as culturas para inculturar o Evangelho, porque «uma fé que não se torna cultura (como escrevia João Paulo II) é uma fé não plenamente acolhida, não inteiramente pensada e não fielmente vivida» (Carta de fundação do Conselho Pontifício da Cultura, 20 de Maio de 1982, 2). Se, nos vários contextos culturais de Timor Leste, a fé e a evangelização não forem capazes de dizer Deus, anunciar a vitória de Cristo sobre o drama da condição humana, abrir espaços para o Espírito renovador, é porque não estão suficientemente vivas nos fiéis cristãos, que necessitam de um caminho de formação e amadurecimento. Isto «implica tomar muito a sério em cada pessoa o projecto que Deus tem para ela. Cada ser humano precisa sempre mais de Cristo, e a evangelização não deveria deixar que alguém se contente com pouco, mas possa dizer com plena verdade: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20)» (Exort. ap. Evangelii gaudium,160).

E, se vive no crente, Cristo abrirá as páginas com o desígnio de Deus ainda seladas para as culturas locais, fazendo despontar outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado. No livro do Apocalipse (cf. 5, 1-10), há uma página elucidativa: fala-se de um livro fechado com sete selos, que só Cristo é capaz de abrir; Ele é o Cordeiro imolado, que, com o seu sangue, resgatou para Deus, homens de todas as tribos, línguas, povos e nações. Timor Leste, o Céu resgatou-te, para que te abras ao Céu. Tudo isto representa uma série de desafios para permitir uma compreensão mais fácil da Palavra de Deus e melhor recepção dos Sacramentos. Mas um desafio não é uma ameaça. A consciência missionária supõe hoje possuir o valor humilde do diálogo e a convicção firme de apresentar uma proposta de plenitude humana no vosso contexto cultural.

Amados irmãos no episcopado, quis limitar-me a três pontos, objecto das vossas preocupações: o primeiro, a vossa contribuição como consciência crítica da nação; o segundo, movida por entranhas de misericórdia, a Igreja inteira sai em missão; e, enfim, exprimir a Boa Nova da salvação nas línguas locais. Parece-me poder reconduzir tudo a esta imagem que vos é familiar e amada: o povo fiel em peregrinação aos santuários marianos, sob a guia do Bispo (digo «guiar», que não é sinónimo de comandar, dominar). E o lugar do Bispo pode ser triplo: à frente, para indicar o caminho ao seu povo; no meio, para o manter unido e neutralizar debandadas; ou atrás, para evitar que alguém se atrase ou desgarre, mas, fundamentalmente, porque o próprio rebanho é dotado de olfacto para encontrar novos caminhos: o sentido da fé. Em todo o caso, sede homens capazes de sustentar, com amor e paciência, os passos de Deus em seu povo e valorizai tudo aquilo que o mantém unido, acautelando de eventuais perigos, mas sobretudo fazendo crescer a esperança: haja sol e luz nos corações! Ao mesmo tempo que vos agradeço todos os esforços realizados ao serviço do Evangelho, peço ao povo timorense que reze por mim; eu confio-o à protecção da Imaculada Conceição (invocada carinhosamente sob o título de «Virgem de Aitara») por cuja intercessão imploro para vós, para os sacerdotes, os religiosos e religiosas, para os seminaristas, noviços e noviças, para os catequistas, os animadores dos movimentos eclesiais e a briosa juventude, para as famílias com as suas crianças e os seus idosos e todos os restantes membros do povo de Deus, a abundância das graças do Céu, em penhor das quais lhes concedo a Bênção Apostólica.

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