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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A verdade do matrimónio não pode ser riscada do mapa por maiorias parlamentares

Inaugurando o ano académico no Instituto João Paulo II para Estudos sobre o Matrimónio e Família, o cardeal Barbarin explicou a necessidade hoje de anunciar um "Evangelho do matrimónio"


Roma, 29 de Outubro de 2014 (Zenit.org) Federico Cenci


Começando do ensinamento de São Paulo, o cardeal Philippe Barbarin, arcebispo de Lyon, descreveu o conceito de "Evangelho do matrimónio”, pedra fundamental da intervenção com a qual abriu, terça-feira, 28 de Outubro, o ano académico no Instituto João Paulo II para Estudos sobre o Matrimónio e a Família.

O cardeal francês explicou como o ''Apóstolo dos Gentios" use muitas vezes fórmulas linguísticas em que o termo Evangelho é seguido por outros conceitos – “da graça" (At 20, 24), “da glória" (2 Cor 4,4), “da salvação" (Ef 1, 12) - a fim de "atrair a atenção de uma comunidade sobre um elemento central" da sua pregação.

Bem, o elemento central para o qual o cardeal Barbarin quis chamar a atenção em seu discurso é o de matrimónio. Tema de muita actualidade, objecto muitas vezes de novas e arbitrárias interpretações. O arcebispo de Lyon recordou a este respeito, como, para além dos Alpes, "os debates sobre a família" tenham "inflamado" a opinião pública em 2013, após a aprovação da controversa lei sobre mariage pour tous (casamento para todos).

O card. Barbarin destacou a mobilização maciça das multidões às quais participaram "muitos católicos bastante comprometidos”. Uma reacção determinada, embora repleta de vários questionamentos. Neste contexto – perguntou-se o cardeal  Barbarin - "qual tem sido o testemunho dos cristãos?". E ainda: "Foram capazes de transmitir o Evangelho, a boa nova do matrimónio?".

Daí a sua proposta para fazer um "exame de consciência" "à luz das bem-aventuranças". Perguntar-se, portanto, se semelhantes batalhas contra a “destruição social” e a “mentira de Estado” sejam realizadas em nome do amor e da misericórdia ou das palavras "violentas e de desprezo daqueles aos quais fomos levados a nos opor”. Com referência velada à repressão por parte das autoridades em certos casos o cardeal Barbarin também destacou que alguns dos manifestantes foram comparados com a última das bem-aventuranças: "Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça". "Esperamos que o Senhor - observou – tenha dado a eles a possibilidade de vislumbrar algo do seu Reino durante estas provas!".

No entanto, "apesar das vicissitudes da história, os métodos ou as iniciativas tomadas pelos governos", o que recordou o arcebispo de Lyon é a necessidade de espalhar uma "mensagem sobre o matrimónio", cujo "valor e força" nunca poderão ser “eliminados e nem sequer desacreditados" por “correntes de pensamento” ou “maiorias parlamentares”. Para provar isso, o cardeal Barbarin recordou que “quanto mais a pessoa está profundamente ligada às próprias raízes, mais é capaz de amplas aberturas”. Raízes que mantêm em estreita relação a família com os filhos, os filhos com os pais, os pais com a aliança.

Essa última relação, porém, apresenta hoje algumas fragilidades que o cardeal dirigiu a sua atenção. “Se o amor se limita ao sentimento, então está sujeito a flutuações perigosas", disse. Partindo do pressuposto de que "o desejo é mutável”, torna-se necessário encontrar uma forma de "ajudar o homem a permanecer ele mesmo, a viver e a expressar livremente o próprio desejo embora permanecendo em harmonia com a razão, a vontade e o bem comum”.
A “mentalidade social” de hoje - uma análise do arcebispo - é vítima de uma "tirania do desejo ante a qual tudo deve ceder". Daí a "necessidade de mudar a lei para permitir que esses desejos se realizem”. Para justificar tal cenário, de acordo com o cardeal Barbarin, usa-se frequentemente um argumento "míope", ou seja, que "a realização desses desejos não impede de nenhuma forma aqueles que não os compartilham de continuar a viver como querem”.

Encontrando-nos diante de uma “profunda mudança do contexto social”, deve-se enfatizar a “boa notícia” do matrimónio a partir da revelação bíblica. "Na Bíblia – disse o cardeal Barbarin – tudo é nupcial”, porque essa é, antes de tudo, uma história de aliança".

Por isso “a aventura à qual entram os esposos é uma imagem da história de toda a humanidade, inscrita nas suas carnes e nas suas histórias pessoais”. O prelado reconheceu que “as dificuldades e as traições não faltam, mas a fidelidade de Deus dá à nossa fragilidade humana uma esperança invencível”. Não se explicaria de outra forma que “o sacramento do matrimónio seja apresentado como uma acção de Deus, que sela o nosso amor sempre frágil na grande epopeia da Aliança entre Deus e a humanidade, cujo apogeu situa-se no mistério pascal de Jesus".

Este plano de Deus se resume, assim, no conceito de "Evangelho do matrimónio". Afinal - a reflexão do cardeal - o "maior desejo" do homem é que "a aventura do nosso amor triunfe”. E “é justamente a atenção a esta felicidade que faz com que Deus se comprometa na nossa história”.

São muitos os episódios do Evangelho que nos falam do matrimónio. Das figuras de José e Maria até o epílogo do apocalipse (Ap 22, 17 e 20), passando pelas Bodas de Caná, pela Aliança da última Ceia e pelas palavras que João disse à Herodes (Mc 6 , 18). Dar testemunho da mensagem cristã é, portanto, "um presente de Deus para o mundo, sal que dá sabor à vida, luz que revela a beleza da criação". Esta é – disse em conclusão o cardeal Barbarin - "a maior alegria dos esposos cristãos, quando sabem que o seu matrimónio é a graça da sua vida, portanto, a sua missão”.

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