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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Cardeal Sarah: a crise das famílias vem da distorção do matrimónio

O presidente do "Cor Unum" comenta o Sínodo recém concluído e destaca que o tema do acesso aos sacramentos para os divorciados recasados é o último dos problemas da família


Roma, 23 de Outubro de 2014 (Zenit.org) Deborah Castellano Lubov


"A crise da família vem dos efeitos de uma concepção relativista da vida que tem afetado negativamente o conceito do matrimónio e do casal homem e mulher”. “A cultura atual fala de família, referindo-se a todas as suas formas, como se as diferentes situações pudessem se tornar modelos”. Estas são apenas algumas das passagens mais fortes da entrevista que o cardeal Robert Sarah, presidente do Pontifício Conselho 'Cor Unum', condeceu a ZENIT, durante a qual ele falou do Sínodo e contou como a África sofra negativamente pelas "ideologias nocivas importadas do mundo rico, do paganismo, e da poligamia".

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ZENIT: Qual é o maior desafio para a família hoje?
Cardeal Sarah: É necessário esclarecer, porque o debate sobre a admissão dos católicos divorciados e recasados ​​à Eucaristia tem captado a atenção dos meios de comunicação, ofuscando os desafios reais que afectam as famílias de hoje. A crise da família vem do conceito relativista que mudou o conceito de matrimónio e de vida conjugal. O conceito cristão do matrimónio e da família afirma que é a união entre um homem e uma mulher que, juntos, se comprometem com o crescimento da família no mundo. É uma definição que nem todos concordam. A cultura actual fala de família sem especificar nenhum significado específico. A sociedade fala de família em todas as suas formas – biológicas, com pais adoptivos, homossexuais – como se todas essas situações pudessem se tornar modelos, quando, na realidade, são simplesmente uma expressão trágica de problemas individuais. Em termos de realidade, devemos também considerar as causas sociais e económicas que contribuem para o enfraquecimento da família. E então, como vimos no Sínodo, os problemas que afligem as famílias na África são diferentes dos de outros países.

ZENIT: Pode explicar-nos melhor quais situações está enfrentando o seu continente?
Cardeal Sarah: A cultura tradicional africana está centrada na família. O conceito de família é assim tão difundido e profundamente enraizado que pode ser considerado uma característica peculiar da tradição africana. Na cultura do meu continente, a vida e os valores da família são sustentados e promovidos com entusiasmo, e os papéis de homens e mulheres são fundamentais: um não pode existir sem o outro. Ambos são necessários para a tarefa de criar e educar os próprios filhos. No entanto, a família africana foi atacada por ideologias ocidentais que buscam confundir e poluir a relação entre homens e mulheres. A ideologia do "género" nega o plano de Deus para a família humana. O Criador, de fato, criou dois sujeitos a humanidade: o homem e a mulher, o macho e a fêmea. A ideologia de género expressa o desejo de grupos ideológicos que querem livrar-se daquilo que é uma questão de fato, uma determinação antropológica, teológica e ontológica que está inscrita na natureza. Este "modelo de género" incentiva a mulher a interpretar a sua relação com o homem de forma conflituante. Exalta-se a liberdade de escolha sobre a orientação sexual com a intenção de promover a cultura da homossexualidade também na África. Existem organizações ocidentais que procuram impor a ideologia homossexual na cultura Africana. A aceitação dessas ideologias prejudiciais é condição para receber ajudas humanitárias e financeiras para a África. Além desses desafios, as famílias africanas devem lutar contra a influência das culturas pagãs, como por exemplo a poligamia, e os efeitos nocivos da pobreza sobre a vida familiar.

ZENIT: Como é que esses temas foram discutidos no Sínodo?
Cardeal Sarah: Durante o Sínodo, houve recomendações para afirmar e promover o ponto de vista da Igreja Católica sobre o matrimónio e a família. Trata-se de uma visão que a Igreja herdou através de milénios de fé e de tradição. Precisamos ouvir novamente o que Jesus disse: "Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os criou homem e mulher e que disse: ‘Por isso o homem deixará o pai e a mãe, e se unirá com a sua mulher, e os dois serão uma só carne?’ Assim, eles já não são dois, mas uma só carne; Portanto o que Deus uniu, que o homem não separe”. Nós temos que, com força e firmeza, defender os ensinamentos presentes na Sagrada Escritura e manifestados pelo Magistério da Igreja. Embora seja necessário que a Igreja enfrente estes desafios com uma abordagem pastoral.

ZENIT: Você acha que no próximo Sínodo veremos avanços concretos e positivos a este respeito?
Cardeal Sarah: Sim, a principal tarefa do Sínodo Extraordinário foi a de elaborar uma análise sobre a situação da família de hoje e os desafios que a Igreja deve enfrentar ao longo do seu ministério pastoral. Em vista disso, tenho a satisfação de ver que o Sínodo da família em 2015 será dedicado ao tema da vocação e da missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Vamos ouvir os ensinamentos de Deus e os ensinamentos da Igreja.

ZENIT: Qual é a abordagem do Papa Francisco sobre estas questões?
Cardeal Sarah: O Santo Padre está bem ciente do sofrimento das famílias. Sente a dor e o transtorno que muitas famílias estão enfrentando. A sua intenção é que a Igreja dedique dois anos para rezar e reflectir sobre a família na perspectiva da nova evangelização. O Papa vê a Igreja como uma mãe que verdadeira e seriamente se preocupa pela família. O Santo Padre tem acompanhado de perto o Sínodo. Acredito que neste período de nova evangelização para a Igreja, as circunstâncias difíceis de muitas famílias e as dificuldades que enfrentam estão muito perto de seu coração. É por isso que ele convocou o Sínodo.

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