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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Mortos ou vivos?

1. O culto dos mortos
Estamos a chegar ao fim do mês de Outubro, na tradição da Igreja conhecido como o mês do rosário, para entrarmos no mês de Novembro, este conhecido como o mês dos finados. Embora o dia 1 seja dedicado a todos os santos, dia santo com obrigação de participar na missa, mas não feriado, um dos que a crise nos tirou, as pessoas sempre o aproveitaram para fazer as suas romagens aos cemitérios, onde jazem os seus entes queridos já falecidos, pois o dia a eles dedicado, o dia 2 de Novembro, não é feriado nem dia santo. Este ano coincidem com o fim de semana e talvez ambos sejam aproveitados para a romagem aos cemitérios.

Na tradição cristã houve sempre um grande respeito pelos falecidos, pois o seu corpo inanimado é único e é a referência visível da pessoa que partiu. Embora hoje a Igreja católica aceite a cremação e até preveja uma bênção para esse ato, no entanto desde os princípios do cristianismo até aos nossos dias houve sempre um culto especial dos mortos. Recordemos as catacumbas no tempo do império romano e das perseguições aos cristãos e os sepultamentos nas igrejas, nos claustros dos conventos e nos adros das igrejas. Entre nós ficou famosa a revolução de Maria da Fonte, que se opunha ao sepultamento nos cemitérios, fora dos espaços de culto.

Estas mudanças vão contribuindo para uma profunda alteração da nossa relação com o sofrimento e a morte. Os idosos entregam-se aos lares, os doentes e moribundos aos hospitais e lares de cuidados continuados e os mortos são entregues às agências funerárias, aos tanatórios ou cemitérios em lugares retirados do normal convívio da sociedade. A pouco e pouco vamos perdendo a experiência da morte e do respeito e culto pelos mortos, o que vai provocando uma mudança cultural, como se a morte biológica não fizesse parte do sentido da nossa existência. Diz-se que os chineses não morrem. Qualquer dia dir-se-á o mesmo de nós, se não invertermos os nossos hábitos na relação com a morte biológica.

Nos tempos em que os falecidos eram velados nas casas onde viveram, a maior parte das vezes na grande família, as crianças começavam cedo a conviver com a fragilidade da vida, a doença e a dor, aprendendo a integrar a morte nas suas possibilidades de vida e de futuro. Felizmente hoje temos os cuidados paliativos e não se justifica o suicídio assistido, que é outra forma de não aceitar a fragilidade do ser humano e não acreditar no ato de entrega ao criador ou naquilo que nos diz a fé cristã, de que a vida não acaba, apenas se transforma, ou, como diz S. Paulo, enquanto o ser visível vai acabando, vai-se formando o homem interior e invisível, faz-se a passagem do homem temporal para o eterno. Por isso a profissão de fé cristã termina com a afirmação da crença na ressurreição dos mortos, como Cristo, na vida eterna.

2. Os sistemas educativos em crise

Mas não é só a nossa relação com a morte e os falecidos que está em crise ou em mudança de paradigma. Também os sistemas educativos parecem estar mergulhados em profunda confusão de modelos, a começar pela família. Por motivos profissionais e económicos adia-se a maternidade e paternidade, até já se fala em congelar os óvulos e o esperma, para serem fecundados mais tarde, como se tudo fosse apenas um processo biológico, pondo de parte a importância dos factores psicológicos e afectivos para a educação dos seres humanos.

A seguir vem a escola, que deveria ser uma ajuda aos pais e às crianças no processo da sua socialização e não apenas uma aprendizagem de conteúdos, cada vez mais na área da matemática e das ciências e menos na arte de pensar e se relacionar com pessoas da nossa cultura e de outras culturas linguísticas. Apenas o inglês, mais por motivos económicos que culturais, se salva nesta babel cultural. A confusão torna-se mais gritante com a colocação dos professores, em que os critérios de humanidade e familiares pouco contam, mas principalmente as prioridades de carreira. Desafio as pessoas envolvidas, professores, sindicatos, assembleia da república e governo a fazerem um profundo estudo e diálogo da questão e só depois de tudo bem estudado e acordado, com programas informáticos experimentados e seguros, proceder às reformas necessárias do sistema educativo.

Ficou famoso o Maio de 68 com a contestação generalizada dos estudantes, não apenas da escola, mas também da sociedade. Antes que outra confusão aconteça temos de despertar para esse estudo profundo, a começar pelos políticos e outros responsáveis pela escola, universidades incluídas. A escola do livro único, do ensino unificado e exclusivamente académico estão ultrapassadas. As estruturas mentais e os interesses das pessoas e grupos são diversificados. Mas há alguns denominadores comuns que importa ter em conta e atender às diferentes necessidades da sociedade nacional e internacional, para orientar as áreas de ensino e de investigação do ensino superior.

Quando há problemas, criam-se comissões de estudo ou entrega-se à judiciária ou à Procuradoria Geral da República para apurar responsabilidades. Por vezes isso significa simplesmente retirar as questões da participação pública e as conclusões e resultados desses estudos e investigações nunca se sabem. Com a educação não podemos fazer isso, pois interessa e diz respeito a todos. Qualquer comissão que se crie nesta área tem de ser mais para lançar perguntas e coligir as respostas em ordem ao futuro do nosso sistema educativo.

† António Vitalino, Bispo de Beja

Nota semanal em áudio:



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