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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Nasce o primeiro bebé gestado em útero transplantado

Justo Aznar, membro da Academia Pontifícia para a Vida e director do Instituto de Ciências da Vida, comenta os aspectos éticos do caso


Madrid, 23 de Outubro de 2014 (Zenit.org)


Um filho é sempre um dom, um presente, e não um direito da mulher (ou do homem) que o deseja, o que sem dúvida precisa ser levado em consideração ao se avaliarem eticamente os riscos e benefícios desse tipo de intervenção médica.

No último dia 5 de Outubro, a revista “The Lancet” publicou o caso do nascimento do primeiro bebé dado à luz por uma mulher que tinha recebido um transplante de útero.

O nascimento aconteceu em 4 de setembro. Sem dúvida, do ponto de vista médico, é um facto importante, já que, com ele, possibilitou-se um filho a uma mulher que simplesmente não tinha útero: ela tinha nascido com a síndrome de Rokitansky.

Nas edições 434, 439 e 440 da “Provida Press”, já tinha sido comentada a notícia do transplante de útero, mas sem que se soubesse, ainda, se as mulheres receptoras poderiam engravidar e, principalmente, dar à luz.

Os artigos da “Provida Press” comentavam que o primeiro transplante de útero foi feito na Arábia Saudita no ano 2000. O segundo aconteceu na Turquia em 2011, sem que em qualquer dos dois se tivesse obtido êxito.

Após os primeiros dois transplantes, Matts Brännström e sua equipe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Gotemburgo, bem como diversos colegas de outras universidades, conseguiram a permissão de realizar esse tipo de transplante na Suécia. Eles foram autorizados a fazer nove transplantes. Em 2013, realizou-se o último deles.

Em cinco casos, as doadoras eram mães das receptoras. Nos restantes, eram parentes ou amigas. Dos nove transplantes realizados, dois fracassaram por problemas de trombose ou infecção na mulher receptora. A segunda fase do projecto previa a implantação de embriões produzidos por fecundação in vitro nas sete mulheres restantes. Agora, conseguiu-se o nascimento do primeiro bebé.

A mãe é uma mulher de 35 anos que sofria da síndrome de Rokitansky. O útero foi doado por uma mulher de 65 anos que tinha tido duas gravidezes prévias. Um ano depois do transplante, por fecundação in vitro e utilizando-se ovócitos da própria paciente e esperma do seu parceiro, foram produzidos 11 embriões, dos quais um foi transplantado. Como em todo caso de transplante, a mulher teve que ser submetida a tratamento imunossupressor durante toda a gestação. É importante ressaltar que, durante o processo, ela sofreu três episódios de rejeição, aos quais se respondeu mediante tratamento com corticosteroides. Ela também sofreu uma pré-eclâmpsia com 31 semanas e 5 dias de gravidez, o que tornou necessária uma cesariana realizada imediatamente. Nasceu um menino, prematuro, pesando 1.775 gramas.

Em uma avaliação inicial, do ponto de vista médico e social, o meu parecer é positivo. Afinal, uma mulher que nasceu sem útero chegou a ter um filho! Mas acredito que este caso também exige uma reflexão ética adicional.

Neste mesmo ano, Farrell e Falcohe, da Cleveland Clinic, publicaram um estudo na “Fertility and Sterility” em que abordam a ética do transplante de útero de um ponto de vista fundamentalmente médico, referindo-se a riscos e benefícios tanto para a doadora quanto para a receptora e para o bebé.

No tocante à doadora, os autores comentam que, além da dificuldade cirúrgica da extracção do útero, que pode durar entre 10 e 13 horas e apresenta sérios riscos relacionados com a dissecação das veias pélvicas e com a possibilidade de danos aos uréteres, também pode haver complicações derivadas de infecções ou hemorragias, que, em alguns casos, já exigiram intervenção cirúrgica posterior.

Em geral, todas as doadoras estão na menopausa, mas, se alguma delas não estivesse, haveria a necessidade de se considerar também a sua perda da possibilidade de novas gravidezes.

Quanto à receptora do útero, é necessário em primeiro lugar informá-la dos riscos da própria operação e, tão importante quanto, explicar que, após o transplante, ela terá que fazer terapia imunossupressora durante e depois da gravidez para evitar a rejeição do órgão transplantado.

Também devem ser levados em consideração os possíveis danos decorrentes da própria gravidez. A mulher do caso em questão, recordemos, sofreu três episódios de rejeição e uma pré-eclâmpsia.

Outro problema médico é que o útero transplantado tem que ser extraído após o nascimento do bebé para evitar a necessidade de que a mulher receptora seja submetida à já comentada terapia imunossupressora, o que, sem dúvida, é um problema adicional.

Em relação ao bebé, só é destacável que ele nasceu prematuramente. É difícil emitir um parecer ético sobre o bem da criança sem avaliar a sua evolução médica durante um prazo mais longo.

De qualquer forma, pode-se afirmar que, quando são conhecidos apenas os resultados de um dos nove transplantes realizados, é muito prematuro formular um parecer fundamentado sobre o aspecto ético desta prática.

Além dos riscos e benefícios que esta intervenção pode significar para a doadora, para a mulher receptora e para o bebé, também é necessário considerar o elevado custo desse tipo de intervenção, bem como todas as implicações económicas do trabalho prévio, voltado a proporcionar a maior segurança possível à intervenção cirúrgica de transplante.

Também é de se considerar, como aspecto ético, o facto de esse tipo de intervenção estar ainda em fase muito experimental, podendo ser incluído na denominada “terapia compassiva”, prática que pode ser aplicada sem os requeridos estudos prévios de segurança e possíveis efeitos negativos.

Finalmente, algo que não pode ser obviado é que, para se conseguir o desejado filho, é preciso utilizar a fecundação in vitro, com as dificuldades morais que esta prática em si já implica; entre essas dificuldades morais, destaca-se o grande número de embriões que se perdem no processo (“Medicina e Morale” 4; 613-616, 2012).

É positivo levar em consideração o desejo satisfeito de se conseguir um filho. Um filho, porém, é sempre um dom, um presente, e não um direito da mulher (ou do homem) que o deseja, o que sem dúvida precisa ser levado em consideração ao se avaliarem eticamente os riscos e benefícios deste tipo de intervenção médica.

Texto de Justo Aznar; original em espanhol.

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