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quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Pobre, seropositiva, expulsada pelo seu marido… A Cáritas e umas religiosas mudaram a sua vida

Viver com a sida é possível onde há apoio e esperança 

Josepha Habonimana perdeu vários filhos e é seropositiva, mas com a ajuda da Cáritas e missionárias prepara um futuro melhor

Actualizado 21 de Novembro de 2014

Rosa M. Bosch y Álex García/La Vanguardia

Josepha Habonimana é vítima da discriminação numa sociedade patriarcal na qual a tradição manda que os homens herdem a terra.

Josepha foi encaixando as fatalidades que lhe surgiram, por ser pobre e mulher. Com os seus 33 anos deu à luz oito filhos, dois dos quais morreram poucos meses depois de nascer.
"Há tempo comecei a sentir-me muito mal, sabia que tinha tuberculose mas estava tão enferma que no hospital disseram-me que também fizesse o teste da sida. Deu positivo. Os meus filhos mais velhos, de 14 e 12 anos, vivem; o terceiro e o quarto morreram; o quinto é seropositivo, e os três mais novos estão bem", conta enquanto evita que as gémeas que tem nos braços, Misterine e Butoye, de 16 meses, continuem lutando.

Josepha é uma das doze mulheres instaladas temporariamente nas modestas dependências da Fundação Stamm de Kizuka, na província de Bururi, Burundi, em África, onde seguem um programa de formação para tentar ganhar algum dia a sua independência.

O denominador comum destas mulheres é o VIH, ser mães solteiras ou abandonadas pelos seus pares.

"O meu marido, que nunca quis saber se ele também tinha sida, despejou-me de casa com todas as crianças. Disse-me que não podia carregar com uma enferma. Fui e ele juntou-se com outra mulher", relata Josepha, que começou o tratamento com antivirais em 2008, no centro de saúde de Mutumba, na vizinha província de Bujumbura Rural.

Ali conheceu a irmã Emmanuelle Ghioldi, uma monja suíça que está desde 1964 no Burundi e que como directora deste dispensário seguiu a evolução de Josepha.

"Disse à irmã Emmanuelle que queria aprender um ofício e pagou-me os bilhetes de autocarro para que viesse com as quatro crianças pequenos para aqui, onde me ensinaram a ler e a escrever e agora começarei um curso para aprender a elaborar sabão. Os mais velhos estão com a avó e vão à escola."

"O programa dura seis meses durante os quais lhes ensinamos uma especialidade, podem escolher entre a fabricação de sabão ou como explorar uma horta e um rebanho; também lhes oferecemos alojamento e comida. Ao acabar assessoramos-lhas para montar o seu negócio, mas não lhes damos dinheiro", explica Verena Stamm, directora da fundação do mesmo nome.

"Sou optimista - disse Josepha -, quando finalize a formação quero trabalhar e conseguir um alojamento decente para os meus filhos".

Pelo dispensário da irmã Emmanuelle passaram milhares, dezenas de milhares de mulheres com os seus bebés.
Na manhã de 28 de Outubro atenderam três partos e vacinaram mais de sessenta crianças contra a pólio, tuberculose, tétano, hepatite B, pneumonia...

Nesse dia as monjas da ordem de Santa Maria de Schoenstatt estavam de celebração, pois estrearam uma geladeira, alimentada por energia solar, para conservar a uma temperatura estável entre 2 e 8 graus as vacinas.

"No Burundi temos cortes no fornecimento com muitíssima frequência, a alternativa era o petróleo mas provoca muito fumo", comenta a irmã Emmanuelle. Este é um projecto-piloto da Unicef que se prevê estender a outros serviços de vacinação.

Gloriose Maniramba é a enfermeira responsável da consulta de VIH deste centro pelo que cada mês passam 140 mulheres grávidas para ver se se contagiaram. Se é assim começam o tratamento com antivirais. Nesta e outras 84 clínicas apoiadas pela Cáritas detectaram que em dez anos baixou o número de pessoas infectadas: em 2004, 6,9% dos pacientes que chegavam tinha o vírus, percentagem que se reduziu a 2,8%.

Maniramba controla a evolução de Germaine Mtezi, de 35 anos, e do seu marido, Ferdinand Minane, de 43.

Ambos sofreram um calvário até que em 2004 foram diagnosticados de VIH. "O nosso primeiro filho nasceu em 2002 e faleceu os poucos meses. Era um bebé enfermiço mas não sabemos a causa da sua morte. No ano seguinte teve dois abortos e em 2004 apareceu-me uma enfermidade na pele e confirmaram-me que tinha o VIH. O meu marido não aceitou fazer o teste até meses depois, quando começou a sentir-se mal", relata Germaine.

Apesar de tantas desgraças, Germaine estava muito animada com a ideia de ser mãe. Começou um tratamento com antivirais e pouco depois ficou grávida. Zaburo, que já tem nove anos, nasceu são tal como os pequenos Samuel e Adrien.

"Saber que o que tínhamos era a sida foi um alívio", afirma o marido para surpresa dos seus interlocutores. "Sim, sim, é que pensávamos que sofríamos uma maldição. Nós vendemos as duas parcelas para poder pagar a um feiticeiro que rompesse o bruxedo. Por isso, quando nos disseram que era o VIH pensamos que tínhamos futuro", explica Ferdinand, que agora sobrevive com um pequeno comércio e aceitando qualquer trabalho que lhe apareça.

Germaine e a imensa maioria das mulheres burundienses são as que cultivam o campo, ainda que a propriedade é dos homens. Os que herdam são os irmãos varões, entende-se que elas já trabalharão nas terras dos seus maridos, supondo que todas se casem.

E se a descendência só é feminina ou se a esposa enviúva? O normal é que se procure algum familiar masculino para que fique com as propriedades. "A mulher está numa situação de desamparo, o caso mais grave é quando fica viúva e a família do marido a despeja", aponta Pedro Guerra, do departamento de protecção da infância da Unicef.

Guerra recorda o caso de Valérie, uma menina que aos 15 anos viu morrer com poucos meses de diferença os seus pais. Ela ficou vivendo só na casa familiar até que os seus irmãos regressaram para reclamar a quinta.

Como se negou a sair, os irmãos queimaram a vivenda e Valérie encontrou-se só e na rua até que uns vizinhos a acolheram. Valérie revelou-se como uma rapariga esperta: em pouco tempo já era presidente do grupo de microcréditos do seu povo. Agora, com 19 anos, gere uma loja-bar e tem dois órfãos a seu cargo.

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