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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Terrorismo e Análise Social

Não podemos ficar horrorizados com um ato terrorista contra um jornal francês e silenciar diante de ataques muito piores ao redor do mundo


São Paulo, 24 de Fevereiro de 2015 (Zenit.org) Ivanaldo Santos


Diante da brutal sequência de atentados terroristas ocorridos na França, que ficou conhecido como Atentado de Charlie Hebdo, que chocou o mundo, e da actual onda de terrorismo que ameaça se espalhar pelo mundo, realizam-se cinco análises.

1) Em linhas gerais a actual onda de atentados terroristas vividos pela França, de um lado, trata-se de uma das mais brutais e desumanas sequências de actos terroristas que ocorreram na história contemporânea da humanidade. Do outro lado, é preciso ver que esses ataques não foram actos isolados. Existe um grande número de grupos terroristas actuando em escala quase planetária, entre os quais cita-se, por exemplo, Al-Quaeda, Boko Haram, Estado Islâmico e a Frente al-Nusra. O problema é que esses grupos são bem treinados, tem muitas e diversificadas fontes de financiamentos e ao longo dos últimos 30 anos vem promovendo atentados em vários países do mundo. É preciso ter consciência do que ocorreu na França não foi apenas um ato terrorista, mas uma grande falha nos sistemas nacionais (no caso da França) e internacionais de segurança

2) Alguns intelectuais viram os atentados na França como um ato da direita. Essa é uma posição que deve ser respeitada. No entanto, essa posição segue um esquema político binário tradicional, oriundo do século XVIII, que divide a política e as acções sociais em esquerda e direita. Essa é uma reflexão muito ingénua, pois não leva em conta as profundas mudanças ocorridas no mundo contemporâneo. Sem contar que o terrorismo islâmico não se enquadra em direita ou esquerda. Em muitos aspectos, o Islão não viveu, até os dias de hoje, um aprofundamento no campo das ideias, da literatura, da teoria política e dos direitos humanos. Por exemplo, o Islão ainda precisa incorporar a sua estrutura de pensamento os valores da democracia e da liberdade oriundos dos gregos antigos. Em grande medida, o terror islâmico pretende implantar um modelo de sociedade fechado, muito semelhante a sociedade tribal do século VII d.C

3) Alguns críticos sociais vêem o terrorismo como uma forma de protesto social, de movimento social. É preciso rejeitar toda forma de terrorismo, trata-se de um ato covarde de ataque e destruição, quem mais sofre com um ataque terrorista é a população civil, especialmente mulheres, crianças e idosos. No entanto, é preciso ver que no mundo contemporâneo existe uma tendência de uma minoria (ou minorias) de dominar o cenário cultural em escala quase planetária. É comum vermos nos filmes, na TV, na media e em outros ambientes uma propaganda e a defesa de ideias que podem ser atribuídas a algum tipo de minoria. Entre essas ideias é possível citar, por exemplo, o casamento homossexual, o aborto e a legalização de drogas ilegais. O problema é que a maioria da população não compartilha com essas ideias. O facto é que o homem comum não está se sentindo representado pelas ideias que dominam o cenário cultural contemporâneo. Por causa disso, a população questiona esse tipo de transmissão de ideias. O homem comum pergunta-se: se vivemos em uma democracia, então porque as minhas ideias não aparecem? Porque apenas valores contrários ao que penso, aparecem? Esse tipo de situação, quase que uma ditadura de uma minoria esclarecida, está conduzindo sectores dentro da sociedade a apoiarem actos desesperados, como é o caso dos ataques terroristas. A sociedade e a democracia contemporâneas precisam repensar as suas relações com o homem comum, o homem comum precisa se sentir mais representado, seus valores precisam aparecer mais na sociedade.

4) Fala-se muito que os atentados foram contra posições anti-religiosas do jornal Charlie Hebdo. No século XXI fala-se muito em diálogo e liberdade, mas lamentavelmente os grupos religiosos, que representam a maioria da população, estão marginalizados desse diálogo. Quase ninguém quer ouvir o que esses grupos dizem e o que pensam, são logo rotulados de conservadores, de retrógrados, autoritários, fundamentalistas e coisas semelhantes. O jornal francês Charlie Hebdo, que foi vítima de um brutal ataque terrorista, é um bom exemplo disso. Esse jornal gostava de publicar sátiras contra religiões (cristã, islâmica, et), mas não parou para ouvir a voz que vem das religiões, o que as pessoas religiões tem a dizer e a fazer pelo mundo. Actualmente fala-se muito em inclusão e diversidade, mas o grande grupo humano que parece ser excluído são as religiões. Enquanto a modernidade não conseguir incorporar as grandes tradições religiosas (cristianismo, islamismo, judaísmo, etc) dentro dos grandes projectos de crescimento e aperfeiçoamento social, dificilmente haverá paz no mundo. 

5) O que se pode esperar, para o mundo contemporâneo, após os ataques na França? Inicialmente é preciso ter esperança, pois a esperança é o sentimento que ajuda a vencer o medo. Além disso, daqui por diante é preciso repensar a cultura do diálogo reinante no mundo contemporâneo, uma cultura centrada nos grupos pós-modernos (homossexuais, aborto, drogas, etc). Os ataques na França demonstraram que existe uma maioria que não é pós-moderna e que não se sente representa pela actual cultura dominante. É preciso ter coragem de dialogar com essa maioria, do contrário, sem diálogo, poderemos esperar manifestações e até revoltas populares nos próximos anos. Temos que ouvir as maiorias, pois democracia se faz é com a maioria. Essa lei básica da democracia precisa ser retomada no mundo actual. É preciso ver que quase todos os dias acontecem actos terroristas e actos bem piores do que foram praticados na França. No entanto, os actos terroristas pouco ou não são divulgados pela grande media, pela intelectualidade e pela classe dos artistas. Existe quase um silêncio absoluto sobre os actos terroristas que se multiplicam no quotidiano de muitas regiões do mundo. Esse silêncio precisa ser quebrado, não podemos ficar horrorizados com um ato terrorista contra um jornal francês e silenciar diante de ataques muito piores ao redor do mundo.

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