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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Crise e solidariedade

1. Direito ao trabalho e diálogo laboral
 
No dia 1 de Maio comemora-se o Dia Internacional do Trabalhador, acontecimento marcante na defesa da dignidade e dos direitos dos trabalhadores. Na actualidade, com muitos desempregados e de grande precariedade, temos que lutar sobretudo pelo direito ao trabalho.

Aprendi em pequeno que é preciso ganhar o pão com o suor do rosto e que a ociosidade é mãe de todos os vícios. Numa sociedade complexa, mas organizada, em que a maior parte das pessoas exerce uma actividade dependente, quando as empresas perdem o mercado para os seus produtos, recebe-se o fundo de desemprego. Mas as pessoas desempregadas, ficando sem trabalho, correm o perigo de cair em vícios, alguns deles destrutivos da personalidade, do agregado familiar e do tecido social, de que dificilmente se regeneram.

Então, como ultrapassar esta situação sem degradar os ambientes? Esta é uma pergunta que muitas vezes me faço e para a qual nem sempre encontro respostas. Uma sociedade com muito desemprego e de baixos salários e reformas vai hipotecando o seu futuro. Por isso não se pode aprovar qualquer tipo de modernização de empresas, para as tornar mais rentáveis, diminuindo os postos de trabalho e lançando para o desemprego pessoas que dificilmente encontrarão outra ocupação. Não basta assegurar o fundo de desemprego por um determinado tempo. É preciso olhar também aos problemas humanos, à dignidade das pessoas, à paz social, ao bem das famílias.

A solidariedade não pode ser apenas do tipo assistencialista. Tem de ter em conta a promoção e ocupação das pessoas. Por isso, Estado, empresas, associações e pessoas têm de procurar soluções justas, não olhando apenas ao lucro, ao mercado, mas sobretudo aos direitos humanos. Esta economia mata, diz o Papa Francisco dos sistemas da economia liberal que apenas olham ao lucro, ao mercado.

Uma boa articulação de todos os intervenientes em alturas de crise económica é a prova da maturidade de uma sociedade, em que ninguém é marginalizado em prol de alguns ou se arruínam empresas por causa dos interesses do grupo mais forte. Sem querer dizer nomes, para não pressionar nenhuma das partes, parece-me que nem sempre se tem em conta o bem comum e a viabilidade das empresas. Nestas alturas não se pode cortar o diálogo. É por ele que manifestamos a nossa maturidade e inteligência. Será por ele que seremos criativos e encontraremos soluções viáveis para ultrapassar as crises para bem de todos, não apenas de um grupo. Sobretudo em tempo de crise precisamos de usar todas as nossas capacidades para nos entendermos, tendo em conta o bem comum de todos e cada um. As empresas e as sociedades que deixam de dialogar em ordem ao consenso estão a minar o seu futuro e a prejudicar a todos. Mesmo no direito à greve nunca se deve por de parte o bem comum. É preciso ponderar os prós e os contras e ver se não estamos a fazer sofrer e a deteriorar todo o tecido social, pessoas, famílias e sociedade, para defender interesses de grupos e classes.

2. Solidariedade para ultrapassar as crises

 
Um dos princípios da doutrina social da Igreja (DSI) é a solidariedade, em articulação com todos os outros princípios. Nem sempre é possível salvar os postos de trabalho e as empresas sem mercado. Mas neste panorama é preciso salvar as pessoas, pois são o elo mais importante, mas por vezes o mais frágil.
Nas relações humanas e laborais não podemos refugiar-nos numa atitude egoísta e individualista, mas aprender a entrelaçar as nossas vidas com as dos nossos semelhantes. S. Paulo recomendava aos cristãos que não deviam ser devedores de nada a ninguém a não ser do amor, que nunca se paga, pois é gratuito. Esta experiência da gratuitidade está na base da solidariedade, que põe o bem do outro acima do seu próprio. Uma sociedade que não exercita atitudes de solidariedade, de gratuitidade, torna-se fria e desumana. Sem solidariedade não é possível qualquer tipo de vida social, em que a dignidade das pessoas seja respeitada. Em tempos de crise torna-se mais necessário que nunca exercitá-la, não no sentido de tornar as pessoas frágeis dependentes de nós, mas de ajudá-las a recuperar a sua dignidade e autonomia. Por isso nunca pode ser de tipo assistencialista. Mesmo o pobre tem a sua dignidade e dá-nos a capacidade de fazer o bem, de crescermos na capacidade de nos relacionarmos com quem não nos pode retribuir na mesma moeda, mas com o tesouro do amor, que nem a ferrugem nem a traça corroem (Mt 6, 19).

Nesta atitude se funda o verdadeiro voluntariado solidário, tão necessário numa sociedade em crise. As obras de misericórdia são expressões da solidariedade, da gratuitidade e da verdadeira essência do ser humano, criado para amar e ser amado. Oxalá o ano jubilar da misericórdia, anunciado pelo Papa Francisco com início a 8 de Dezembro do corrente ano, nos estimule a sermos mais solidários e misericordiosos neste tempo de muita indiferença e esquecimento dos irmãos mais frágeis, as crianças, os idosos, os imigrantes, os deficientes.
 

† António Vitalino, bispo de Beja

Nota semanal em áudio:





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