Páginas

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Não posso adiar

Por estes dias, estive numa paisagem paradisíaca a fazer um retiro espiritual (não sei se devia estar a dizer isto!). Como se costuma dizer, tenho muita sorte por ter estas oportunidades.

Quando ia a caminho, pouco depois de iniciar a viagem, ainda sem companhia, passou por mim, no seu carro, uma amiga. Uma amiga muito querida, mas com quem não tenho falado muito. Culpa minha. Muita culpa minha. 

Na altura, não dei grande importância ao acontecimento, mas quando cheguei à capela onde seria o retiro, a primeira coisa que percebi foi que aquele encontro era para me lembrar que também estava ali para rezar por aquela minha amiga e para aprender com o erro que cometi com ela. No fundo, estava ali para limpar a alma e para perceber que o egocentrismo e o juízo rápido não levam a nada que valha a pena, a nada que proporcione felicidade.

Logo nos primeiros momentos, o sacerdote salientou que estamos continuamente a arranjar pretextos para deixar Deus à espera. De facto, há sempre alguma coisa para fazer ou a ocupar a nossa atenção. Agora, é porque acabei o curso e tenho de encontrar um emprego; agora, é porque estamos a pensar ter filhos; agora, é porque os negócios estão a correr bem; agora, é porque estão a correr mal.

Uma amiga minha de juventude costumava ter uma resposta muito engraçada para estas desculpas- “Lérias!”.

No meu caso, habituei-me a deixar Deus à espera porque, obviamente, tenho a mais profunda certeza de que Ele vai estar sempre à minha espera. É Pai. É o Pai.

A reunião não espera, a amiga não espera, as compras não esperam, a minha preguiça é poderosa e o meu comodismo persistente. E Deus espera. Espera sempre.

No clube onde os meus filhos fazem desporto, há uma frase que diz “A vida começa no final da tua zona de conforto”. No desporto e em tudo o resto, as coisas mais importantes só aparecem quando nos levantamos do sofá, quando arregaçamos as mangas e arriscamos fazer figuras tristes, perder batalhas, chorar, doer.

Há sempre aquela metáfora do quadro na parede, pois não conseguiríamos colocar nada na parede se ela não fosse dura, rija.

Quantas pessoas conhecemos, senão nós mesmos, que parecem ter tudo para ser super, hiper, mega felizes e, no entanto, mais ou menos de vez em quando, desmoronam, perdem o equilíbrio? Se calhar, falta-lhes encontrar a alma, encarar a razão da sua vida, ir ao fundo das suas inquietações. E quantas pessoas conhecemos, senão nós próprios, que, perante um acontecimento dramático, encontram o vigor perdido, a inspiração esquecida, a razão ignorada?

Num caso e no outro, todos nós estamos permanentemente a pôr prazos para as coisas que implicam sair da tal zona de conforto, onde tudo conhecemos e tudo dominamos. Até que, num determinado momento, a vida espirra e percebemos que não controlamos nada e torna-se impossível adiar mais.
Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
António Ramos Rosa 








Rita Gonçalves
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas Português/Francês
Mãe mesmo a tempo inteiro




Sem comentários:

Enviar um comentário