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terça-feira, 30 de junho de 2015

Laudato Si’, entre ética ambiental e Bioética

Pe. Joseph Tham, L.C. comenta a Encíclica e apresenta o Curso Internacional sobre o tema “Bioética, questões ambientais e ecologia humana”, do 30 de junho ao 10 de Julho no Regina Apostolorum em Roma

Roma, 29 de Junho de 2015 (ZENIT.org) Valentina Raffa

Qual a relação entre a bioética e a recente encíclica do Papa Francisco Laudato Si’? Qual é o critério ético com o qual é possível abordar e resolver os problemas ambientais? O que diz o magistério da Igreja sobre questões ambientais? Quais soluções propõe? O que é a ecologia humana e como ela difere da mentalidade dos ecologistas e dos tecnocratas? Estas e outras questões ZENIT dirigiu ao Pe. Joseph Tham, LC, decano da Faculdade de Bioética do Ateneu Regina Apostolorum, em Roma.

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ZENIT: Qual é a sua impressão sobre a última encíclica do Papa Francisco dedicada à questão ambiental?

Pe. Joseph Tham: A longa espera que precedeu a publicação dA Laudato si' gerou uma grande expectativa na mídia. Ao lê-la, encontrei, em muitos assuntos, uma continuidade com pontificados anteriores, especialmente com os escritos de São João Paulo II e o Papa Bento XVI. Ao mesmo tempo, há uma abordagem nova e prática nas propostas do Papa.

ZENIT: Onde está a semelhança entre esta encíclica e os pronunciamentos anteriores?

Pe. Joseph Tham: A continuidade com os ensinamentos anteriores do Magistério da Igreja é clara. O uso do termo "ecologia humana" que se refere à centralidade da pessoa humana, na questão ecológica, foi usado por João Paulo II. Se é verdade que os seres humanos são a causa do desequilíbrio atual, cujas consequências caem sobre os mesmos homens e sobre toda a natureza, são, ao mesmo tempo, protagonistas da mudança. Dessa forma a questão ecológica se desloca para o âmbito moral, como o Papa Bento XVI escreveu em várias ocasiões. Outro tema desenvolvido na Doutrina Social da Igreja e tomado aqui é o do "desenvolvimento integral". Refere-se ao fato de que a questão ecológica não pode ser separada de outras questões conexas que dizem respeito à ética social, à economia, à pobreza, à bioética e à religião que juntas, contribuem para o bem comum. Laudato Si’ cita as palavras de Bento XVI: “O livro da natureza é uno e indivisível” (LS n. 6).

ZENIT: Como a questão ecológica está ligada à bioética?
Pe. Joseph Tham: o Papa Francisco enfatiza a correlação entre essas dimensões e a influência mútua. O problema ecológico não pode ser separado da questão da educação, da pobreza e das estruturas sócio-económicas disfuncionais. Da mesma forma, a encíclica inclui reflexões sobre temas relacionados com a bioética. O Papa, por exemplo, denuncia a destruição dos embriões humanos ou o abandono das pessoas com deficiência que, se formos à raiz, são devidos à própria "cultura do descartável" que provoca o abandono e a exploração do meio ambiente (LS, 117, 120, 136).

O Papa também acusa as organizações internacionais, certas atitudes que promovem o controle populacional e a "saúde reprodutiva" como uma solução para a pobreza. O problema está na injusta distribuição da riqueza e dos recursos, com o consequente impacto ambiental, e não na superpopulação (LS n. 50). Em termos de uma relação adequada entre as pessoas e seu meio ambiente, muitos comentaristas têm se centrado na questão do sistema econômico injusto. Surpreendentemente, o papa insere nesse discurso um desequilíbrio que muitos comentaristas preferem ignorar, a ideologia de gênero que distorce a relação própria entre o homem e a mulher (LS n. 155).

ZENIT: Pode-se dizer que a Laudato Si’ faça a conexão entre a questão ecológica e a questão da dignidade humana?

Pe. Joseph Tham: Certamente, o papa colocou a questão antropológica no centro da encíclica. Precisamos reconhecer que somos todos irmãos e irmãs, com a mesma dignidade. Na tradição judaico-cristã, os homens são considerados especiais entre todas as criaturas porque foram criados à imagem e semelhança de Deus. Deveremos, portanto, evitar a posição de certos grupos ambientalistas que lutam contra a crueldade nos animais, mas, paradoxalmente, apoiam a destruição de vidas humanas, especialmente nas fases iniciais da vida (LS n. 90). Respeito pela dignidade humana significa também contrariar a mentalidade moderna que reduz tudo ao nível de coisas que estão disponíveis para qualquer pessoa, incluindo os seres humanos. Também foi um tema recorrente deste pontificado criticar a assim chamada "cultura do descartável" que está ao nosso redor como coisas para usar, consumir, destruir (LS n. 123). O utilitarismo e o relativismo são as teorias mais comuns da bioética de hoje, enquanto os debates geralmente giram em torno do direito a utilizar as novas tecnologias no começo da vida, no fim da vida e na reprodução humana. Do ponto de vista do utilitarismo, tais ações são éticas se trazem resultados e utilidade. O relativismo nega a possibilidade de se chegar a uma verdade universal desses dilemas.

ZENIT: Como é que a questão da tecnologia está ligada a esta análise?

Pe. Joseph Tham: Uma das seções mais interessantes da encíclica fala sobre a questão da tecnologia. O Papa Francisco está ao afirmar que o progresso moderno nos trouxe muita comodidade, sanou muitas dificuldades e ampliou nossas vidas. No entanto, enquanto a tecnologia tem, sem dúvida, melhorado a qualidade de vida, estamos apenas começando a reconhecer os muitos problemas ambientais que resultaram. Nesta seção, o Papa cita longamente o pensamento do filósofo e teólogo Romano Guardini. Há uma certa ambivalência na tecnologia, por causa do seu poder destrutivo. Em todo poder existe uma grande responsabilidade que é, muitas vezes, esquecida na realidade globalizada de hoje. No mundo das ciências, da medicina e da política, parece reinar uma "mentalidade tecnocrática". Assim, perdemos de vista o sentido do contexto mais amplo e tendemos a procurar resultados imediatos ou gratificações instantâneas, muitas vezes com resultados desastrosos (LS 102-114)

ZENIT: Como podemos escapar deste perigoso uso irresponsável da tecnologia?

Pe. Joseph Tham: É um problema difícil, que foi colocado pelo filósofo Heidegger em sua famosa última entrevista, intitulada: "Só um Deus nos pode salvar". Ele previra, mais de meio século atrás, que a tecnologia é uma espécie de prisão onicompreensica da qual a modernidade não pode escapar. Sendo agnóstico, a sua resposta sarcástica "só um Deus pode nos salvar" não se refere ao "Deus" da revelação. Explica, de fato, mais tarde que consiste no “pensar, poetar ou contemplar", em vez de fazer novas investigações tecnológicas. A sua resposta não é então tão fácil de se entender, mas eu acho que Heidegger teve uma intuição que podemos encontrar também na Laudato Si’ quando o Papa nos convida a elevar-nos até a nossa mais alta vocação à transcendência e espiritualidade.

ZENIT: Que papel pode ter a religião ou a espiritualidade em questões ambientais?
Pe. Joseph Tham: O Papa, fiel a seu homônimo e ao título desta encíclica, remonta a São Francisco de Assis, para propor uma solução para esta questão espinhosa. Ele acredita que a novidade e a criatividade do espírito humano possam superar a tentação do materialismo e das soluções técnico científicas (LS 81). A exegese do livro do Gênesis e as reflexões teológicas enfatizaram a relação harmoniosa entre a humanidade, a natureza e o Criador. Deus nos deu o dom da natureza, algo para cuidarmos e cultivarmos. Devemos estabelecer um relacionamento com o nosso meio ambiente não de poder e dominação, mas de harmonia e administração. Laudato Si’ é um apelo a louvar o Criador pela beleza da sua criação. O Papa nos pede para recuperar o sentido de admiração e reverência pelo nosso ambiente natural. Nessa contemplação podemos reencontrar o nosso verdadeiro lugar na natureza e redescobrir a relação entre nós mesmos e com os demais e, finalmente, com toda a criação.

ZENIT: O que significa "conversão ecológica"?

Pe. Joseph Tham: Na última parte da encíclica, o Papa Francisco exortou os cristãos e todas as pessoas de boa vontade a uma conversão ecológica. Se é verdade que somos em parte responsáveis ​​pelas muitas feridas infligidas a natureza, também é verdade que podemos ser a solução para estes problemas, uma vez que houver uma mudança do coração. Esta mudança significa reconhecer que a ecologia é acima de tudo uma questão ética e a humanidade não pode ser dominada pelo utilitarismo, pelo consumismo e pelas soluções tecnológicas. Embora o dano ao meio ambiente seja resultante de nossas ações, somente através de um virtuoso crescimento e aumentando a força moral, poderemos reparar o dano. As virtudes específicas que o Papa indica são as da sobriedade em nosso uso da tecnologia e dos recursos, contra uma cultura de desperdício, e humildade para reconhecer o nosso lugar no universo para evitar arrogância e insensibilidade para com as necessidades dos outros e do ambiente.

ZENIT: O que a Faculdade de Bioética do Ateneu faz para abordar a questão ambiental?

Pe. Joseph Tham: O 14º Curso Internacional de Verão de atualização em Bioética que será do 30 junho ao 10 julho, na sede do nosso Ateneu Pontifício Regina Apostolorum, em Roma, será dedicado ao tema "Bioética, questões ambientais e ecologia humana". A nossa Faculdade de Bioética deseja a colaboração com outras organizações internacionais para acolher os estudantes, jovens, mas não só, provenientes de todo o mundo. Como é típico da nossa faculdade, vamos abordar a complexa questão ambiental, com uma metodologia interdisciplinar. Esta abordagem interdisciplinar nos permitirá dar um sentido às preocupações que estão em primeiro plano como a poluição, a gestão de recursos, a questão da energia, as alterações climáticas, a biodiversidade, as biotecnologias ambientais e o tratamento dos animais.

Como aprendemos nos 13 cursos anteriores, é essencial integrar o conhecimento científico de ponta com a sabedoria perene da filosofia e da teologia. O curso de verão está destinado a todas aquelas pessoas que podem ter uma influência na abordagem da sociedade a estas questões importantes. Portanto, convidamos médicos, trabalhadores da saúde, pessoas que trabalham em biotecnologia, professores de ciências, sacerdotes e religiosos, advogados e todos aqueles interessados ​​no debate cultural para se juntar a nós nestes dias estimulantes de estudo e intercâmbio.

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Para mais informações: info.bioetica@upra.org



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