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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Emergência educativa

1. Terrorismo e educação
Na última nota escrevia o seguinte: A educação na família, na escola, nas comunidades religiosas deve ajudar a construir a paz. Bem-aventurados os que sofrem por causa da paz, proclamou Jesus. Sem avaliar todo o alcance desta afirmação, nesta semana, no torvelinho dos acontecimentos, recebi muitos incentivos para a explicitar melhor e aplicar aos ambientes que nos envolvem.
Em primeiro lugar, ao ler as propostas do sínodo sobre a família, percebi que há uma situação global, que dificulta a tarefa educativa. Na miragem ideológica dum mundo envolvido na terceira guerra mundial em fragmentos, como se expressa o Papa Francisco, afirma-se o individualismo e o direito aos bens de consumo e esquece-se a educação primordial para a relação e a pertença, a começar pela família. Por isso os outros, a própria natureza, são vistos como concorrentes e obstáculos a eliminar, como o inferno, como se expressava Sartre, e não como fazendo parte de nós, do nosso bem estar e aos quais somos devedores. Como diz S. Paulo (Rm 13, 8): não fiqueis a dever nada a ninguém, a não ser o amor.

Em segundo lugar, foi o Congresso Mundial promovido em Roma pela Congregação para a Educação Católica, na semana passada. No encontro com o Papa, a 21 de novembro, uma responsável educativa perguntava como podem os educadores ser construtores da paz. Na sua resposta espontânea o Papa afirmava que é preciso ir às periferias, ao mundo dos pobres e não apenas fazer obras de benificência para eles, dar-lhes de comer e ensiná-los a ler, mas a caminhar juntos com a sua experiência de pessoas feridas na sua humanidade. Não basta educar dentro de muros, cultivar uma cultura seletiva, de segurança, da inteligência formal, mas arriscar no cumprimento das quatorze obras de misericórdia.

Em contraste com estes pensamentos estavam as notícias veiculadas pelos meios de comunicação social: a caça aos terroristas, os ataques aos focos de terrorismo, o controle dos refugiados, a construção de defesas, o estado de emergência. Será este o caminho da construção da paz, não apenas em algumas partes do mundo, mas para todos e com todos?

A educação para os valores humanos, implica também a abertura à transcendência, expressa de muitas maneiras, também a religiosa, mas nunca proselitismo ou fundamentalismo religioso, como dizia o Papa no diálogo atrás referido. Um sistema educativo fechado, neopositivista, sem abertura à transcendência, que não toca o coração, os comportamentos e as relações fundamentais da pessoa, fecha o homem em si mesmo e não pode educar para o verdadeiro humanismo, por mais génios que produza, mas, infelizmente, também monstros.

2. Como educar para um humanismo cristão?
Como escrevi atrás, a educação, mesmo em famílias e escolas católicas, nunca pode ser proselitista ou neopositivista, mas educar para os valores, aberta à transcendência, à relação com os outros e com a natureza, procurando o seu bem.

A educação para a fé e a sua explicitação religiosa, na escuta da Palavra de Deus, no conhecimento da mensagem e pessoa de Jesus Cristo, na oração, na prática dos mandamentos e das obras de misericórdia, ajuda a fazer crescer a pessoa na verdade do seu ser e a desenvolver a sociedade nas suas múltiplas relações, construindo a paz na verdade, na justiça, na igualdade, na fraternidade.

Campos de refugiados, situação prolongada de desemprego, sobretudo de jovens, a fome, condições sub-humanas de vida, não são ambiente propício para a construção da paz mundial. Por isso não podemos pactuar com estas situações ou praticar apenas as obras de misericórdia corporais. É preciso despertar as pessoas para a sua dignidade, que se realiza nas múltiplas relações e no sentido de pertença a uma única humanidade, a família humana, para cujo desenvolvimento todos devemos contribuir. É caminhando que se faz caminho, como se ouve repetir. A educação não pode ser apenas para o conhecimento, mas para o coração, os afetos, os sentimentos e a ação.

Resta-nos um longo caminho a percorrer. Mas com lamentos, de braços caídos, não avançaremos. Os governos devem estar abertos e apoiar as experiências educativas que vão nesse sentido, em vez de querer prescrever um único tipo de escola, que muda conforme as mudanças dos partidos no governo. Basta de experimentalismos e deixemos que a sociedade civil com a família, avance e possa transmitir os valores em que acredita.

A Igreja termina o seu ano litúrgico com a solenidade de Cristo Rei, que afirma a sua soberania, não pelo poder das armas, pelo medo, pela ditadura da opressão, mas pela verdade do amor, pelo perdão, pelo dom da vida na cruz. O seu poder não é deste mundo, mas é oferecido a todos os que viveram, vivem e hão-de viver neste mundo. Só Ele nos pode salvar desta geração preversa, mas carente de amor. E quem é da verdade ou a busca de todo o coração reconhecerá n’Ele a fonte que sacia a sua sede e mata a sua fome, pois Ele é caminho, verdade e vida.

† António Vitalino, bispo de Beja


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