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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

“Éramos Hebreus” de Alberto Mieli: um testemunho franco e sereno

Ontem à tarde, na sede da Rádio Vaticana, em Roma, a apresentação do livro de um dos últimos sobreviventes de Auschwitz. Com pe. Federico Lombardi, Ruth Dureghello e Don Marco Gnavi

  Análise


Um compromisso certamente não trivial que se materializou na sede da Rádio Vaticano no final da tarde desta quarta-feira, 27 de Janeiro (Dia da Memória, aniversário da libertação de Auschwitz): na sala Marconi, em frente ao grande afresco dos Pontífices ‘radiofónicos’ (portanto, de Pio XI em diante), foi apresentado “Eravamo ebrei – Questa era la mostra única colpa” (Éramos hebreus, essa era a nossa única culpa), um texto autobiográfico de Alberto Mieli escrito com a colaboração da neta Ester (ed. Marsilio), ainda não disponível em português.

Mieli nasceu em 1925, preso por acaso em Novembro de 1943 e agora um dos últimos sobreviventes do inferno de Auschwitz, lembra no livro, com paixão cívica e lucidez não vingativa, os anos das leis raciais e da deportação nos campos de concentração. Um aviso, sempre actual, para que certas mentiras e certos horrores não possam se repetir.

Introduzido por Fabio Colagrande, padre Federico Lombardi – com uma kipá branca na cabeça, o da recente visita à Sinagoga do Papa – falou da sua emoção, também derivada da constatação de como Mieli tenha conseguido quebrar o silêncio, com certeza com custos emotivos altíssimos. O porta-voz vaticano destacou de Alberto Mieli, atento também às pequenas coisas do dia a dia, tanto na família quanto nos campos de concentração conhecidos.

Um outro momento da história atingiu o pe. Lombardi: a expulsão da escola do pequeno Alberto, algo “indescritível, insano, inaceitável”… “mas o caminho já estava começado e levaria ao abismo”. Mieli, concluiu o relator, passou pelas experiências mais terríveis e, apesar disso, na sua narração não existe sinal de desejo de vingança. Essa é uma constatação “milagrosa”.

Também esteve presente a presidente da Comunidade Judaica de Roma, Ruth Dureghello, que agradeceu em primeiro lugar pelo “gratíssimo convite”, evidenciando os valores comuns às grandes religiões monoteístas. Uma colaboração especialmente necessária hoje, dado que aquele “Nunca mais!” pronunciado perante a tragédia da Shoah, não se ouve mais e basta olharmos com atenção para o mundo que nos rodeia.

É por isso que gestos como o do pe. Lombardi de vestir-se com a kipá têm um grande significado simbólico “que se torna mensagem concreta”. Como, por exemplo, no tempo do rei Cristiano da Dinamarca que vestiu a estrela amarela para impedir a deportação dos hebreus. São gestos que têm “um valor agregado”, porque são um sinal de “reconhecimento da identidade do outro”.

Depois de Mons. Marco Gnavi, responsável do Departamento para o Ecumenismo e o diálogo inter-religioso do Vicariato de Roma (e pároco de Santa Maria em Trastevere, igreja ligada à Comunidade de Santo Egídio), tomou a palavra o autor, número 180060 de Auschwitz-Birkenau. Com voz sossegada e comovida, recordou alguns momentos da sua vida e alguns ensinamentos aprendidos pela tragédia vivida. Quatro em particular. Não carreguem nunca com vocês ódio, nem rancor, nem vingança, dos quais resulta sempre “luto e morte”. Nunca entristeçam os vossos pais, porque são aqueles que se sacrificaram para colocar-vos no mundo e manter-vos. Nunca dêem ouvido aos companheiros que vos pedem para fazer coisas inaceitáveis. Apreciem sempre, e defendam-no, o dom da liberdade, para vós e para os demais.

“Tenho a história de Alberto Mieli – escreve no posfácio o rabino Chefe Riccardo Di Segni – diante dos olhos todos os dias, não só quando o encontro em vários eventos comunitários, mas, especialmente, quando encontros os seus descendentes no dia a dia, nas reuniões de oração, um desafio e uma vitória vivente com relação àqueles que tentaram destruí-lo e ao seu povo, no corpo e no espírito. Por isso – afirma o Rabino – no título deste livro, ‘Eravamo ebrei’, acrescentaria a frase ‘e ainda o somos e mais’”.


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