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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Que os cristãos se deixem levar pelo vento do Espírito

Testemunho do Pe. Ray Simpson, fundador da comunidade monástica inspirada na espiritualidade celta

    Igreja e Religião


Lindisfarne é uma ilha ao norte da Inglaterra, com pouco mais de quinhentos habitantes, a poucos quilómetros da Escócia: não por acaso as suas cores recordam as highlands escocesas. Berço da espiritualidade celta, é conhecida como a Ilha Santa. A sua peculiaridade é que está conectada à terra firma por um istmo que a torna acessível a pé ou carro duas vezes por dia, na maré baixa. Em Lindisfarne o Pe. Ray Simpson, um padre anglicano celibatário, fundou a comunidade monástica ecuménica dedicada a Santo Aidan e Santa Hilda para viver e dar a conhecer a espiritualidade cristã celta. No cento, um renovado compromisso no cuidado e na preservação da Criação.

Fomos a Lindsfarne e entrevistamos ali o Pe. Simpson. Falamos também sobre a última encíclica do Papa Francisco, Laudato Si’, de interesse por causa das novas perspectivas no diálogo ecuménico e inter-religioso.

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ZENIT: Pe. Ray, fale-nos sobre a comunidade de Santo Aidan e Santa Hilda…
Pe. Ray: Sou um padre anglicano, guardião fundador da comunidade cristã internacional de Santo Aidan e Santa Hilda. Nesta comunidade nós temos membros católicos, ortodoxos, evangélicos e anglicanos. Nós somos uma comunidade ecuménica. E a nossa regra de vida nos indica para vivermos juntos os pontos fortes de Deus em um cristianismo que hoje está separado. Portanto, temos alguns membros que vão à missa com sua esposa e eles acreditam nos sacramentos, temos alguns membros evangélicos que prestam grande atenção aos pobres e à justiça, temos, também, alguns membros anglicanos que hoje estão percebendo o quanto seja importante ter cuidado com a Criação. Estes são apenas alguns dos pontos fortes da nossa comunidade …

ZENIT: Quais são os pontos-chave da espiritualidade celta?
Pe. Ray: Originalmente, o cristianismo era um modo de vida, depois tornou-se uma instituição. Os cristãos celtas procuram estabelecer um modo de vida sem seguir à risca esta forma institucional.

O sol nasce todos os dias e nos direcciona a Deus. E da mesma maneira que se o sol se assemelha a Deus, os cristãos celtas olham para o vento como sendo o Espírito de Deus. Os cristãos celtas se deixam levar para o vento sopra, demonstrando em concreto do que se trata o abandono à misericórdia de Deus.
O cristianismo ignorou a criatividade da natureza. Foram necessário 1.300 anos para a Igreja Católica reconhecer o valor da espiritualidade celta após o sínodo de Withby (em 664 com o Sínodo de Whitby decidiu-se a latinização da Inglaterra cristã, ndr).

A Igreja celta tem raízes realmente profundas e importantes. Uma vez a filosofia grega separava o corpo da mente, e assim fazia também a Igreja quando era dominada pelo clericalismo. O pensamento provém do coração, faz com que o Paraíso entre na vida de todos os dias sem separá-los. E isso é muito verdadeiro em relação à Trindade, a ser entendida não como uma coisa absoluta, mas como três amores no coração do mesmo Deus.

ZENIT: É possível achar elementos de semelhança entre o monarquismo celta e o monaquismo beneditino?
Pe. Ray: Certamente existem semelhanças, como, por exemplo, o valor da hospitalidade. Para muitos historiadores não teria sido possível reevangelizar a Europa depois dos Bárbaros, sem o monaquismo. E também o monarquismo celta deu a sua contribuição nisso, embora tenha as suas diferenças com o monarquismo beneditino. Apesar da atenção à oração diária, presente em ambas as experiências, se o monarquismo continental requer uma específica estabilidade no mosteiro, a cultura celta manda os monges caminhar e pregar.

ZENIT: Francisco é o Papa do diálogo e da atenção com a Criação. O que você acha?
Pe. Ray: Papa Francisco é admirado por um número cada vez maior de pessoas. A tragédia dos cristãos é que os próprios cristãos se esqueceram de ser uma só família no mundo, porque a Palavra nos convence de que fomos criados juntos. Deus nos deu a forma para sermos cristãos unidos, mas depois nos dividimos. O problema é que as pessoas não querem reconhecer que tudo o que temos em comum é a fora da Criação, e isso o Papa Francisco está reconhecendo, embora até agora não tenha mudado nada de institucional. Está mudando o estilo pessoal, e as pessoas gostam muito, embora não necessariamente todos sigam os conselhos do Papa dá. Certamente, para a Igreja de Roma, nada mudou na instituição, mas apenas no estilo.

ZENIT: Quais são os pontos de contacto entre a encíclica Laudato Si’ de Francisco e a espiritualidade cristã celta?
Pe. Ray: Os cristãos celtas reconhecem que a criação é Deus, e Deus é a criação, da qual todos nós somos parte. Assim os cristãos celtas estão ligados a todas as criaturas, amam os animais, compreendem que a natureza nos fez todos iguais. Enquanto a nossa sociedade capitalista nos leva a explorar o mais fraco para aumentar exponencial as riquezas dos mais ricos.

Na Bíblia domina a criação. No capitalismo domina o dinheiro e destrói-se a criação. O Papa Francisco está dizendo o que nós cristãos celtas já dissemos há uns séculos. O que dizemos é que na natureza os homens são todos iguais. E o Papa Francisco está expressando um pensamento que nós acreditamos há séculos. Ou seja, que os pobres foram largados à sua sorte e que a terra, com os seus recursos naturais, está para ser destruída. E nós devemos comprometer-nos a mudar tudo isso juntos.


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