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sábado, 27 de fevereiro de 2016

A quantas anda o diálogo com os lefebvrianos?

Depois que Bento XVI levantou a excomunhão em 2009, o gesto de abertura do papa Francisco no Ano Santo é um novo passo para o reconhecimento canónico

  Igreja e Religião


Tem dado bastante “pano para a manga”, nos últimos anos, a delicada reaproximação entre a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X (FSSPX) e a Igreja de Roma. O papa Bento XVI levantou a excomunhão em 2009, mas a posição dos membros da fraternidade fundada por dom Marcel Lefebvre continua irregular.

Eles ainda não aceitam a Novus Ordo da liturgia, o ecumenismo e a liberdade religiosa, mas o novo gesto de abertura do papa Francisco representa um novo passo para o reconhecimento canónico: para o Jubileu, o Santo Padre sancionou a validade da recepção dos sacramentos da confissão e da unção dos enfermos administrados por sacerdotes lefebvrianos.

Para saber mais sobre a situação atual da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, Zenit entrevistou mons. Guido Pozzo, secretário da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, criada em 1988 por São João Paulo II com o objetivo principal de iniciar um diálogo com os lefebvrianos, a fim de, algum dia, conseguir a sua plena reintegração.

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ZENIT: Excelência, em 2009, o papa Bento XVI levantou a excomunhão que se aplicava à Fraternidade Sacerdotal de São Pio X. Isto significa que eles estão de novo em comunhão com Roma?
Desde que Bento XVI levantou a excomunhão dos bispos da FSSPX (2009), eles não estão mais sujeitos a esta grave punição eclesiástica. Com esta medida, no entanto, a FSSPX ainda está em uma posição irregular, porque não recebeu o reconhecimento canónico da Santa Sé. Enquanto a Fraternidade não tiver uma posição canónica na Igreja, os seus ministros não exercem de modo legítimo o ministério e a celebração dos sacramentos. De acordo com a fórmula empregada pelo então cardeal Bergoglio em Buenos Aires e confirmada pelo papa Francisco à Pontifícia Comissão Ecclesia Dei, os membros da FSSPX são católicos a caminho da plena comunhão com a Santa Sé. Esta plena comunhão acontecerá quando houver o reconhecimento canónico da Fraternidade.

ZENIT: Quais foram as medidas tomadas pela Santa Sé ao longo destes sete anos para promover a reaproximação da Fraternidade São Pio X?
Depois da remissão da excomunhão, em 2009, foi iniciada uma série de reuniões de carácter doutrinal entre os peritos designados pela Congregação para a Doutrina da Fé, que está intimamente ligada à Pontifícia Comissão Ecclesia Dei desde o motu proprio Unitatem Ecclesiae, de Bento XVI (2009), e os especialistas da FSSPX para discutir as principais questões doutrinais subjacentes à controvérsia com a Santa Sé: a relação entre Tradição e Magistério, a questão do ecumenismo, do diálogo inter-religioso, da liberdade religiosa e da reforma litúrgica, no contexto dos ensinamentos do concílio Vaticano II.

Essa discussão, que durou cerca de dois anos, tornou possível clarificar as posições teológicas e destacar os pontos de convergência e divergência.

Nos anos seguintes, as conversas doutrinais continuaram com algumas iniciativas orientadas ao aprofundamento e à precisação das questões em discussão. Ao mesmo tempo, os contactos entre os superiores da Comissão Ecclesia Dei e o superior e outros membros da FSSPX que têm favorecido o desenvolvimento de um clima de confiança e de respeito mútuo, que deve estar na base de um processo de reaproximação. É preciso superar as desconfianças e endurecimentos que são compreensíveis depois de tantos anos de fractura, mas que podem ser gradualmente dissipados se a atitude recíproca mudar e se as divergências não forem consideradas como muros intransponíveis, e sim como pontos de discussão que merecem ser aprofundados e desenvolvidos a fim de se chegar a um esclarecimento proveitoso para toda a Igreja. Estamos agora numa fase que eu considero construtiva e orientada para se alcançar a desejada reconciliação. O gesto do papa Francisco de conceder que os fiéis católicos recebam válida e licitamente dos bispos e padres da FSSPX o sacramento da reconciliação e da unção dos enfermos durante o Ano Santo da Misericórdia é, claramente, o sinal da vontade do Santo Padre de favorecer o caminho para o reconhecimento canónico pleno e estável.

ZENIT: Quais são os obstáculos que ainda se interpõem no caminho para a reconciliação final?
Gostaria de distinguir dois níveis. O nível propriamente doutrinal, que diz respeito a algumas diferenças sobre tópicos específicos propostos pelo Concílio Vaticano II e pelo magistério pós-conciliar, relativos ao ecumenismo, à relação entre o cristianismo e as religiões do mundo, à liberdade religiosa especialmente na relação entre Igreja e Estado, alguns aspectos da reforma litúrgica. E o nível da atitude mental e psicológica, que deve passar de uma posição de confronto polémico e antagónico para uma posição de escuta e de respeito mútuo, de estima e de confiança, como deve ser entre membros do mesmo Corpo de Cristo, que é a Igreja. Precisamos trabalhar em ambos os níveis. Eu acho que a aproximação empreendida tem dado alguns frutos, especialmente para essa mudança de atitude de ambas as partes, e vale a pena prosseguir nesta linha.

Ainda sobre a questão do Concílio Vaticano II, eu acho que a FSSPX deve reflectir sobre a distinção, que a meu ver é fundamental, entre a “mens” autêntica do Vaticano II, a sua “intentio docendi” que consta nos documentos oficiais, e o que eu chamaria de “paraconcílio”, ou seja, o conjunto de orientações teológicas e atitudes práticas que acompanhou o curso do próprio concílio e que pretendeu cobrir-se com o seu nome, e que, na opinião pública, graças também à influência da media, se sobrepôs muitas vezes ao verdadeiro pensamento do concílio. Muitas vezes, nas discussões com a FSSPX, a oposição não é ao concílio, mas ao “espírito do concílio”, que faz uso de algumas expressões ou formulações dos documentos conciliares para abrir caminho a interpretações e posições que estão longe e que às vezes exploram o verdadeiro pensamento conciliar. Também no tocante à crítica lefebvriana sobre a liberdade religiosa, me parece que a posição da FSSPX é caracterizada pela defesa da doutrina católica tradicional contra o laicismo agnóstico do Estado e contra o secularismo e relativismo ideológico e não contra o direito da pessoa de não ser coagida nem impedida pelo Estado no exercício da profissão de fé religiosa. São questões que podem ser objecto de aprofundamento e esclarecimento mesmo depois da plena reconciliação. O que é essencial é encontrar a total convergência naquilo que é necessário para se estar em plena comunhão com a Sé Apostólica, ou seja, na integridade da profissão de fé católica, no vínculo dos sacramentos e na aceitação do Supremo Magistério da Igreja. O magistério, que não está acima da Palavra de Deus escrita e transmitida, mas que a serve, é o intérprete autêntico também de textos precedentes do magistério, incluindo os do Concílio Vaticano II, à luz da perene Tradição, que progride na Igreja com a assistência do Espírito Santo, mas não com novidades contrárias (o que seria negar o dogma católico), e sim com uma compreensão melhor do depósito da fé, sempre na mesma doutrina, no mesmo sentido e na mesma sentença (in eodem scilicet dogmate, eodem sensu eademque sententia, cf. Concílio Vaticano I, Const. dogmática Dei Filius, 4). Acredito que, nestes pontos, a convergência com a FSSPX é não apenas possível, mas necessária. Isso não afeta a possibilidade e a legitimidade de se debaterem e explorarem outras questões específicas, que eu mencionei acima, que não dizem respeito a matéria de fé, mas sim a orientações pastorais e juízos prudenciais, não dogmáticos, acerca dos quais pode haver pontos de vista diferentes. Não se trata de ignorar ou domesticar as diferenças em alguns aspectos da vida pastoral da Igreja, mas de se estar ciente de que no Concílio Vaticano II há documentos doutrinais cuja intenção é repropor verdades de fé já definidas ou verdades de doutrina católica (por exemplo, as constituições dogmáticas Dei Verbum e Lumen Gentium), e há documentos que pretendem sugerir caminhos ou directrizes para a acção prática, isto é, para a vida pastoral como aplicação da doutrina (declaração Nostra Aetate, decreto Unitatis Redintegratio, declaração Dignitatis Humanae). A adesão aos ensinamentos do Magistério varia de acordo com o grau de autoridade e com a categoria de verdade própria dos documentos magisteriais. Não me consta que a FSSPX tenha negado doutrinas de fé ou verdades da doutrina católica ensinadas pelo magistério. As preocupações críticas têm a ver com declarações ou afirmações sobre o renovado cuidado pastoral nas relações ecuménicas e com as outras religiões e algumas questões de ordem prudencial na relação entre a Igreja e a sociedade, a Igreja e o Estado. Sobre a reforma litúrgica, mencionarei apenas uma declaração que dom Lefebvre escreveu ao papa João Paulo II em uma carta de 8 de Março de 1980: “Quanto à missa do Novus Ordo, apesar de todas as reservas que se devem manter, eu nunca afirmei que ela seja inválida ou herética”. As reservas relativas ao rito da Novus Ordo, portanto, mesmo não devendo ser subestimadas, não se referem nem à validade da celebração do sacramento nem à recta fé católica. Será oportuno prosseguir na discussão e nos esclarecimentos dessas reservas.

ZENIT: Por ocasião do Ano da Misericórdia, o papa Francisco realizou um gesto conciliatório: os fiéis católicos podem receber o sacramento da reconciliação também dos sacerdotes pertencentes à Fraternidade. O que esta medida envolve? O senhor acredita que este gesto pode concretamente reabrir um diálogo que, faz algum tempo, parecia ter ficado mais complicado?
Como eu disse antes, o diálogo com a FSSPX sempre continuou. Foi decidido que ele continuasse de uma forma menos oficial e formal, para dar espaço e tempo a um amadurecimento das relações em atitude de confiança e compreensão mútua, para fomentar um clima de relações mais adequado, onde também se possa inserir o momento da discussão teológica e doutrinal. O Santo Padre encorajou a Pontifícia Comissão Ecclesia Dei desde o início do seu pontificado para prosseguir neste estilo de comunicação com a FSSPX. Neste contexto, o gesto magnânimo do papa Francisco na circunstância do Ano da misericórdia ajudou, sem dúvida, a serenar ainda mais o estado das relações com a Fraternidade, mostrando que a Santa Sé traz no coração a reaproximação e a reconciliação, que precisarão também de um revestimento canónico. Espero e desejo que o mesmo sentimento e a mesma vontade sejam compartilhados pela FSSPX.


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