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domingo, 22 de janeiro de 2017

Cada um é que sabe onde lhe aperta o sapato

Há uns dias atrás ouvi pela primeira vez esta expressão. Hoje veio-me ao pensamento, mas não só. Estava associada a um ponto de reflexão de S. Josemaria, livro “O Sulco”, que me deu o mote para escrever este artigo. “Não te esqueças que nos assuntos humanos, os outros também podem ter razão: veem a mesma questão que tu, mas de um ponto de vista diferente, com outra luz, com outra sombra, com outro contorno”.

Na realidade, torna-se tudo muito complicado quando se observam os acontecimentos sob diferentes prismas. Recentemente, vivenciámos o 103º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Como habitualmente, neste dia o Papa Francisco escreveu uma mensagem alusiva à efeméride, este ano subordinada ao tema “Migrantes de menor idade, vulneráveis e sem voz” da qual destaco: “Embora sem ignorar as problemáticas e frequentemente os dramas e as tragédias das migrações, bem como as dificuldades ligadas ao acolhimento digno destas pessoas o Papa Francisco recordou que “ as pessoas são mais importantes do que as coisas “.

Há muitos fatores que contribuem para criar um estado de vulnerabilidade nos migrantes; a necessidade e a falta de meios de sobrevivência, a que se vem juntar as expetativas irreais inculcadas pelos meios de comunicação; o baixo nível de alfabetização; o desconhecimento das leis, da cultura e frequentemente da língua dos países que os acolhem. Tudo isto os torna física e psicologicamente dependentes…

Por isso é preciso que os migrantes, precisamente para o bem dos seus filhos, colaborem com as comunidades que os recebem. É importante que se implementem colaborações cada vez mais eficazes e incisivas, fundadas não só na troca de informações, mas também no fortalecimento das redes capazes de assegurar intervenções atempadas e adequadas… Dirijo a todos um apelo para que se procurem e adotem soluções duradoiras…

Guerras, violações dos direitos humanos, corrupção, pobreza, desequilíbrio e desastres ambientais fazem parte da causa do problema. As crianças são as primeiras a sofrer com isso, suportando às vezes torturas e violências corporais juntamente com as morais e psíquicas, deixando nelas quase sempre marcas que o tempo não apaga. Por isso, torna-se necessário enfrentar, nos países de origem as causas que provocam as migrações… com o esforço de toda a Comunidade Internacional para extinguir os conflitos e as violências que obrigam as pessoas a fugir… com uma visão clara capaz de promover programas adequados para as áreas atingidas pelas mais graves injustiças e calamidades, para que se garanta a todos, o acesso ao autêntico desenvolvimento que promova o bem e a esperança na humanidade”. (Papa Francisco).

A condição do migrante transporta consigo uma certa discriminação, contrariando, de certa forma, a universalidade dos direitos do homem, ou seja, o direito pela pessoa, pelas suas diferenças, pela sua identidade e liberdade. Numa sociedade cada vez mais multicultural e multiétnica é necessário aprender a viver com a diferença e com o outro.

As sociedades contemporâneas são atravessadas pela multiculturalidade, onde normas de conduta, conflitos de interesses e valores culturais distintos se encontram e se confrontam, procurando um equilíbrio, muitas vezes assente em diferentes contextos sociais. A miséria, a pobreza, as desigualdades sociais têm um elevado custo social que se pode tornar insustentável para a própria economia, se não for combatido de forma estruturada.

Às vezes temos a sensação de que nos encontramos numa encruzilhada, com uma profusão de estudos, saberes e conhecimentos. No entanto, com um sentimento de que nos confrontamos com um mundo intrinsecamente caótico, como se nos encontrássemos num mundo que perdeu as suas referências, os seus valores a todos os níveis e existisse a necessidade de recomeçar da escala zero. Torna-se necessário reconstruir a solidariedade e a esperança num mundo melhor.

Cada decisão que tomamos acarreta um compromisso. Descartes já dizia: “ser adulto é conformar-se com determinados sacrifícios, renunciar a desejos exorbitantes, aprender que é melhor derrotar os nossos desejos pessoais do que a ordem no mundo”. Se virmos oportunidade de crescimento nas dificuldades, apesar da sua dureza, aconteça o que acontecer sairemos sempre a ganhar. Assim se dá a volta à vida e se cresce, tudo tem o seu tempo!

A vida também nos ensina que, apesar de todos os esforços envidados, a dor faz parte integrante da existência humana e que há situações que não podemos mudar, mas unicamente ajudar a ultrapassar.

Temos plena consciência de que muitas pessoas hoje em dia se sentem desamparadas, sem rumo, desorientadas, com um sentimento de impotência e de injustiça, envolvidas numa auréola de incertezas.

Torna-se necessário fomentar a união, a coesão, promover a integração no sentido de recriarmos a esperança no futuro, numa sociedade mais estável e sustentável, que restaure os laços de solidariedade, de confiança, com um sentimento de cidadania ativa num equilíbrio harmonioso entre aquilo que damos à sociedade e o que dela recebemos.

Fazei tudo por Amor. Assim não há coisas pequenas: tudo é grande. A perseverança nas pequenas coisas, por Amor, é heroísmo. Viste como ergueram aquele edifício de grandeza imponente? Um tijolo e outro. Milhares. Mas um a um. E blocos de pedra, que pouco representam na mole do conjunto. E pedaços de ferro. E operários que trabalham dia a dia, as mesmas horas… Viste como levantaram aquele edifício de grandeza imponente? À força de pequenas coisas! (S.Josemaria, Caminho).

Concluo este artigo, com a certeza de que todos queremos deixar às gerações vindouras a herança de uma sociedade mais justa, cultural e economicamente mais rica, com valores, mais humana e solidária. Recordo ainda, que uma situação tão complexa, como a que hoje vivenciamos ao nível das migrações e dos refugiados, poderá vir a constituir um motivo de união, conscientes contudo, das inúmeras dificuldades existentes, que importa ir ultrapassando, entre o país que acolhe e os que solicitam acolhimento. “Cada um é que sabe onde lhe aperta o sapato”.

Maria Helena Paes








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