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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Tudo

A palavra vem sublinhada, porque o Papa Francisco, falando na Capelinha das Aparições, assim o fez. Usou-a dentro do contexto da misericórdia de Deus que “perdoa tudo, TUDO”. Lembram-se? Foi a sua repetição pausada e pronunciada num tom de voz mais forte, sublinhando o tudo, que inspirou a pergunta a que este artigo pretende responder: “Que quer dizer este tudo?” É evidente que uma resposta deste calibre (não nos esqueçamos que estamos a falar de tudo) não cabe num breve texto. Bastará pensar um pouco e deixar-nos levar pelo desafio que o Papa deixou. Vamos a isto.

Tudo, referia-se a todos os pecados possíveis, claro, mas no local em que foi pronunciado (em Fátima), creio que podemos pôr em destaque o “pecado da carne”, aquele que Nossa Senhora disse ser o que levava mais pessoas para o inferno e que os pastorinhos, na sua inocência e pobreza, julgaram ser “comer carne”

Por outro lado, pareceu-nos poder descobrir três dimensões neste tudo, coisa que não acontece em mais nenhum perdão, seja ele judicial, familiar, fiscal, de dívidas, falso testemunho... 

A primeira dimensão do tudo diz respeito ao “tamanho” do pecado. Desde que haja arrependimento e vontade firme de não voltar a cometê-lo, o perdão aplica-se a esse volume do pecado (ex.: roubo de um, cem ou mil milhões de euros). O homem, finito no tempo, no espaço e nas suas capacidades, jamais poderá pecar (roubar) tudo, mas Deus pode perdoar tudo, pois é infinito. 

A segunda dimensão do tudo, refere-se a toda a diversidade de pecados possíveis. Deus pode e quer perdoar todos os pecados dos homens com uma única exceção: não perdoa quando o homem não quer ser perdoado. É o chamado pecado contra o Espírito Santo que se pode reduzir à soberba. Consiste em não querer acreditar na existência de Deus (portanto não necessito pedir-lhe perdão) ou na sua misericórdia (como Judas: o meu pecado é tão grande que não há perdão para ele).

Então, se Deus perdoa tudo em quantidade e tudo em variedade de pecados, ainda sobra perdão divino, depois de serem perdoados todos os pecados, de todos os homens e de todos os tempos.  

Esta constatação leva-nos à terceira dimensão do tudo que consiste na aplicação do que “sobra” desta misericórdia. Para onde vai ela? Uma vez arrependido e confiante na bondade de Deus, o homem confessa-se, cumpre a penitência estipulada pelo confessor e fica com a certeza de estar perdoado. Cada confissão não é um “produto único”, vem em “pacote”. Além da eficácia do perdão, traz consigo: alegria, maior capacidade de resistir às tentações, desejo eficaz de praticar boas ações, fortaleza para cumprir com os seus deveres de estado, coragem e inspiração para fazer apostolado, vontade de rezar pelas almas do purgatório... E muito mais! É um tudo de bens divinos impossível de imaginar e que se manifesta desde carismas pouco comuns até à heroicidade do sorriso do doente para quem o cuida. 

Esta última dimensão do tudo – a dos extras do perdão divino – pode ser muito bem aproveitada à semelhança do que fez Santa Maria Madalena, que passou a servir o Senhor, ou a samaritana, que foi fazer apostolado na sua terra: “Vinde ver, encontrei o Messias. Disse-me tudo o que fiz”

Esta “sorte” de chegar a receber a misericórdia divina (e reportamo-nos ao exemplo do pecado da carne), começa geralmente por “boas” conversas com pessoas “boas”, não necessariamente sacerdotes ou religiosos. Depois, numa segunda fase, mesmo que ainda não se esteja em condições de receber o sacramento do perdão, é bom ter direção espiritual com um sacerdote piedoso que possa avaliar o estado dessa alma, aconselhar e acompanhar a evolução espiritual de quem está a mudar de vida, até que chegue o momento de já poder receber a absolvição.

De facto, têm sido sobretudo os pecados da carne os que se evidenciam pelo número, pela variedade e pelo escândalo (levam outros a pecar) nos tempos atuais. É gratificante verificar como ficam agradecidas, a Deus e aos amigos que as ajudaram, as pessoas que se converteram ou voltaram à Fé. Dedicam tempo ao estudo e à sua formação cristã, pois não se contentam com conhecimentos medíocres. Mudam de vida. Anseiam por receber os sacramentos da confissão e Eucaristia com frequência. Tornam-se mais responsáveis, maduras, piedosas, amáveis, caritativas, cumpridoras das suas obrigações familiares, religiosas, profissionais, sociais, de cidadania. Ganham um novo alento que as leva a aconselhar os amigos, colegas ou conhecidos que, tristes e inquietos, se encontram em situações semelhantes. Voltaram a acreditar na bondade que está escondida em todos os corações e, sobretudo, no tudo do perdão divino.

Isabel Vasco Costa



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