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domingo, 17 de setembro de 2017

Liberdade pela Verdade

O segredo foi bem guardado durante cerca de nove anos. Zenão, o filho de Camila, tinha então oito anos, mas só ela sabia quem era o seu pai. Na escola do filho, a professora insistia sempre com ela para que revelasse ao rapaz a identidade do pai, para que conhecesse as suas raízes, toda a sua identidade; mas ela calava. Se soubessem que era Carlos, o melhor amigo de seu pai, trinta anos mais velho que ela... Porém, naquela manhã, logo que se despediu do filho, pediu para falar urgentemente com a professora antes que começasse a aula. Carlos estava muito mal, no hospital, e temia-se pela sua vida. A professora tentou acalmar Camila, mas insistiu na urgência de levar Zenão até ao pai. Tinha de o conhecer. Aconselhou-a a ir na sexta-feira seguinte, pois assim poderia acompanhar e acarinhar o filho durante o fim de semana. Porém, Carlos morreu nessa quarta-feira. Camila estava nervosa. “E agora, que vou fazer?”, perguntava aflita à educadora. “Zenão tem de conhecer o pai.” Era a resposta peremptória “Tem de ver, conhecer a sua identidade, a sua família. É uma criança, precisa conhecer-se, relacionar-se com ele próprio e com os outros na sua verdade, na realidade, na sua família. Se não souber, se não vir a verdade, nunca conseguirá saber quem é nem descobrir o seu caminho.”

Esse dia marcou para sempre a vida das pessoas relacionadas com Camila e Carlos. Foi um dia de espanto, de luto, de dor. Rute, a viúva de Carlos, e seus filhos, com idades próximas à de Camila, sofreram dois grandes abalos quase simultâneos: o luto e o desapontamento. O mesmo sucedeu com os pais e irmãos de Camila, embora a outro nível: o da amizade. No entanto, já durante o luto, todos tiveram tempo para pensar com serenidade no que acontecera e decidir como reagir ao “terramoto”. Rute revelou-se uma mulher cheia de nobreza e sabedoria ao aceitar também como seu o filho de Camila. Perante os filhos, fez-lhes notar que Zenão estava livre de culpa e, além disso, brincava com os seus netos e com os sobrinhos de Camila. Zenão podia contribuir para unir, ainda mais, as suas famílias que ainda eram tão amigas. 

Já adulto, Zenão comentava que aquele dia tinha sido o mais importante da sua vida. Considerava Rute como sua segunda mãe, por ser a esposa do seu pai, e como terceira avó, pela sua idade. Reconhecia a coragem de Camila ao ter revelado o seu segredo, admirava o respeito que este comportamento da mãe revelava para com todas as pessoas da família que, conhecendo a verdade, tiveram a liberdade de agir como entenderam. Ao terem optado, no exercício dessa liberdade, por tomar atitudes tão nobres e dignas, tinham dado bom exemplo e contribuído para aumentar o bom ambiente familiar. Zenão, longe de se sentir revoltado, estava orgulhoso da sua família. Dizia que, naquela quarta-feira, tinha ganho um pai, outra mãe, outra avó, vários irmãos, primos e sobrinhos... sentia-se amado, tinha uma família. Era alguém!

Embora antiga, a história é real e também encoraja a agir bem perante o mal, esse enigma que tem sido usado como desculpa para negar a existência de Deus. Cada má ação serve de impulso a uma chuva de boas ações, começando pelas do próprio prevaricador. É algo misterioso, sem dúvida. Parece que o mal serve de “adubo” às pessoas de boa vontade, as quais superam os impulsos de revolta e vingança, sujeitando-os, pela boa vontade, ao impulso de compreender e ajudar. Dominam o instinto animal e fomentam o nascimento do Homem racional capaz de identificar a grandeza de ser pessoa.

Isabel Vasco Costa



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