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domingo, 15 de outubro de 2017

A flor amarela

Miserere, é este o meu estado de alma. Tanta luta, tanto sofrimento, tantos esforços desenvolvidos, sem ter conseguido encontrar as soluções para todos os problemas conforme gostaria. Às vezes parece mesmo que o mundo se torna um pouco injusto. Peço desculpa, mas este estado deve estar relacionado com uma ida programada ao cemitério, fazendo com que me sinta, de momento, como se já estivesse no fundo de uma campa, à espera que deitem a terra por cima. Este sentimento menos alegre, domina os meus sonhos. Sei bem que a tristeza é aliada do inimigo, que devo procurar ser sempre positiva. Mas olho ao meu redor, e vejo tanto sofrimento ao qual não posso ficar indiferente. Lamento não poder fazer mais pela família, pelos amigos e pela sociedade em geral. Mas se tenho de continuar a viver, sinto mesmo que preciso de reforços positivos. Mea culpa. Não me posso mesmo isolar, enquanto ser social que precisa de alguns contributos que me ajudem, precisamente nesta altura, em que os inúmeros acontecimentos parecem requerer um esforço suplementar. Preciso mesmo de mais força para poder continuar a ajudar os outros. Não tenho como me desculpar, referindo que não sei tantas vezes o que fazer, já que tenho conhecimento de que existem mecanismos disponíveis ao meu alcance. Unicamente, como sou muito independente, não gosto de sobrecarregar os outros com os meus desabafos. A vida já é tão difícil!

Contudo, é preciso dar as mãos. Sem querer, abri um documento que referia algumas frases do Papa Francisco. “Cada um tem a sua própria história que é algo sagrado. Há que respeitá-la”. “Quero levar o vosso medo, os vossos riscos, as vossas angústias, as vossas incertezas”. São frases com muito conteúdo. Na verdade o Papa encontra-se sempre disponível para carregar o peso dos outros. Depois, a certa altura, ainda refere: “Perante a paz não podemos ser indiferentes ou neutros… que nunca mais estejamos uns contra os outros, nunca mais uns sem os outros… Sonhar em grande, procurando afirmar os direitos das pessoas e dos povos, dos mais fracos, de quem é descartado”. É preciso dar espaço ao direito à esperança, que é o direito de não ser invadido diariamente pela retórica do medo e do ódio. Meu Deus, que exemplo de vida, que dedicação aos outros, em prol do bem-estar e da defesa dos direitos humanos da sociedade que sofre por algum motivo, sem fazer aceção de pessoas. E eu para aqui a lamuriar-me... Que vergonha mesmo! Logo hoje, que é o dia comemorativo dos Santos Anjos da Guarda. Peço desculpa, mas tudo tem uma razão. Passo a explicar. 

Já fui, entretanto, ao cemitério colocar flores em três campas, face à proximidade do aniversário de uma das minhas irmãs falecida recentemente. Fui acompanhada por duas irmãs, pois, na realidade, sentia algum grau de dificuldade em ir sozinha. Torna-se sempre difícil ir ao cemitério, já que implica reviver o passado, uma vez que a morte destes seres queridos, acarretou muito sofrimento. Vencida então esta habitual resistência inicial, acompanharia as minhas irmãs na aquisição de flores bem como na deslocação ao cemitério. Para a minha irmã falecida adquiri uma rosa cor-de-rosa, a sua cor preferida. Rezei posteriormente junto da sua campa, referindo a falta que me fazia esta minha companheira, sempre disponível para me ouvir, defender, ajudar e acompanhar nos bons e maus momentos. Com saudade, recordei um aniversário seu, bem alegre por sinal, passado na Baviera, mais precisamente em Munique numa cervejaria. Os seus olhos brilhavam de alegria, quando o meu cunhado lhe ofereceu um ramo de rosas desta cor. Mais emocionada ficou quando um grupo folclórico bávaro, lhe veio cantar os parabéns, vestidos com os seus belos trajes típicos, o “Tracht” que data do ano 1600, quando o Príncipe bávaro Maximiliano I estabeleceu uma vestimenta para o seu povo. Ainda bem que vivenciamos esses momentos tão agradáveis e inolvidáveis. Depois chegou a vez de irmos à campa do meu cunhado, um grande companheiro, sempre bem-disposto, alegre e muito comunicativo. Mais uma rosa, branca e cor-de-rosa, como tanto gostava de oferecer à minha irmã que as adorava. Rezei um pouco. Depois, disse-lhe que me fazia muita falta para me alegrar um pouco os dias, face à sua boa disposição. Recordei algumas anedotas e histórias alegres que ele tão bem contava, e sobretudo, o enorme amor que nutria pela minha irmã. Era bom observar-se um casal tão unido, feliz e com uma enorme cumplicidade.

A terceira flor era uma enorme gerbera em tom amarelo. Parecia que irradiava luz. Quando a fui colocar na campa de um sacerdote que considerei sempre um amigo, que faleceria precocemente; só havia muita verdura na jarra. Coloquei a gerbera ao centro. De repente, parecia que trazia uma mensagem, que irradiava sol e luz. Comentei com as minhas irmãs. É a luz da dedicação de uma vida a ajudar os outros, sem nada pedir em troca. Há coisa mais maravilhosa do que a bondade, do que dar a vida, em prol dos outros? Interiormente, recordei um episódio que atesta a sua entrega. Um dia cheguei a Igreja e encontrei-o a distribuir rebuçados pelas crianças que por ali andavam… 

S. Josemaria referia que a paz e a alegria de reconhecer a visível intervenção do seu Anjo da Guarda lhe invadia a alma. “Ficas pasmado porque o teu Anjo da Guarda te tem prestado serviços patentes. – E não devias pasmar; por isso o colocou o Senhor junto de ti”. (Caminho, nº 565). Reafirmemos a nossa devoção ao Anjo da Guarda, pois temos muita necessidade dele: “Concedei que nos guardem, defendam de todos os perigos e gozemos eternamente do seu convívio”.

Maria Helena Paes






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