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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Os Fogos da Nossa Vida

Em busca de um pouco de descanso usufruindo de boa companhia, bem-disposta, afetuosa, disponível, parti rumo a Mafra, com o intuito de usufruir de mais um fim-de-semana com os meus sobrinhos. Aqui há sempre novidades, algo a acontecer. Aprendo muito com as pessoas mais jovens observando como gerem a sua vida, de modo a conseguirem conciliar a família, a casa, o trabalho e os momentos de lazer na companhia dos amigos. Trabalham mesmo muito. Felizmente as tarefas são partilhadas o que facilita muito a vida do lar. Quando chego é uma alegria. Todos me vêm cumprimentar desde as crianças, os meus sobrinhos o gato, e também os cães. Uma verdadeira festa. Dizia a minha sobrinha: “O que queremos é que a tia se sinta alegre e feliz”. Posto isto, procuram sempre fazer algo diferente, no sentido de que me sinta bem acolhida e integrada. Pela minha cabeça surgiu uma frase de Eclesiastes, em que referiu que há um tempo para tudo debaixo do céu. Pelas palavras proferidas no acolhimento, senti que tinha chegado o momento de recolher o que tinha plantado, que era tempo de rir, de abraçar, de amar, enfim tempo de paz.

Mais tarde, enquanto descansava um pouco a ver televisão, o meu sobrinho neto, veio deitar-se ao meu lado, dando-me a mão carinhosamente, perguntando-me se podia fazer-me companhia. Depois continuou: “Tia, nós somos humanos, mas era muito divertido se, quando fossemos para o mar, eu me tornasse num golfinho e a tia numa sereia. Podia ser a rainha dos golfinhos. Depois íamos à procura de tesouros. De vez em quando, vínhamos à superfície cantar e tocar. Era muito bom mesmo, não era tia?” Claro que anuí, deliciada com a sua pródiga imaginação e criatividade, sentindo-me uma verdadeira rainha, neste caso, do meu sobrinho. Na televisão, passava um video clip musical de Stevie Wonder em que cantava: “I just call to say I love you. I just call to say I care”, (telefonei para dizer que te amava. Telefonei para dizer quanto me preocupo…). Muito adequado mesmo ao momento carinhoso que vivenciava. No sábado fomos passear até à Foz do Lisandro para descomprimirmos um pouco. O mar azul com um cheiro intenso, as gaivotas, as ondas, os inúmeros grupos de surfistas, alguns veraneantes na praia, as famílias com crianças, alguns animais, tudo apelava para a existência de momentos mais relaxantes de descontração, numa vida tão agitada devido a múltiplos acontecimentos. Fazia mesmo muito bem respirar ar puro e viver em pleno a natureza de uma beleza ímpar. Ao serão, depois do jantar, entretivemo-nos, a ver video-clips musicais antigos. Foi mesmo muito divertido recordar bons momentos musicais. Enquanto o meu sobrinho, feliz, satisfazia os nossos pedidos musicais, recordei uma ópera que fazia as minhas delícias, e que tinha tido oportunidade de ver, na companhia da sua mãe, na Staats Oper de Viena. Foi, certamente, a melhor ópera que tive oportunidade de visualizar em toda a minha vida. O Nabucco de Verdi. São estes momentos culturais, que nos ajudam muitas vezes a ganhar forças para levar a vida em frente, são também as boas recordações que permanecem para sempre. Neste caso, encontrávamo-nos na Áustria, na cidade de Viena, decorria o ano de 2006. Tinha recebido um convite para participar, enquanto oradora, na Conferência “Demographic Challanges – Family Needs Partnership” com o tema “The New Role of Fathers in Family Policy”, que teve lugar no Centro de Conferências. Estava tão nervosa face à responsabilidade sentida, que só me recordo do presidente da mesa me ter dito em voz baixa: “Very good presentation”, bem como à saída, alguém me ter dado os parabéns com um olhar de alguma cumplicidade, referindo que, finalmente, alguém tinha explicado a diferença entre o papel do pai e da mãe na família. Agradeci muito reconhecida. Na realidade, Sentia-me muito insegura, perante uma assistência tão importante. O interlocutor referiu que tinha que se ir embora para celebrar a Missa. Tudo o mais se esvaneceu da memória. Só ficou o registo fotográfico e documental. Pouco depois, saí do espaço com a minha irmã. Fomos passear um pouco para descomprimir. Recordo que, ao passarmos pela Staats Oper, comentei que gostaria imenso de ver a ópera que era exibida nesse dia. Na altura, havia uma bilheteira ao lado do edifício que vendia os ingressos. Entrei e questionei se ainda tinham bilhetes para esse dia. Qual não foi o meu espanto, quando referiram, que tinham dois bilhetes separados, em dois camarotes, a um preço bastante reduzido. Não resistimos. Era uma oportunidade única. Ainda bem, porque na realidade, viria a ser a melhor ópera que, como já referi, alguma vez tive a oportunidade de assistir. No intervalo, encontrámo-nos para dar um passeio nos lindíssimos salões da Staats Oper. Ainda hoje, vêm-me as lágrimas aos olhos de emoção, quando ouço o coro impressionante, cheio de força, desta magnifica ópera composta por Giuseppi Verdi, em particular, o Coro dos Escravos Hebreus, “Va Pensiero”, que expressa o lamento do povo hebreu em exílio após a conquista de Jerusalém. Este coro constituiu mesmo uma antecipação do paraíso. “Vai pensamento sobre asas douradas (…). Oh minha pátria tão bela e perdida, oh lembrança tão cara e fatal. Reacende no nosso peito a memória, fala-nos do tempo que passou. Lembra-nos do destino de Jerusalém. Traga-nos um ar de triste lamento e que o Senhor te inspire uma harmonia que nos dê força para suportar o nosso sofrimento”. Tornou-se mesmo impossível ficar indiferente a esta melodia fantástica bem como ao magnífico coro da ópera de Viena. Tenho de reconhecer que fui feliz nessa noite em Viena. 

Bem é melhor mesmo voltar ao momento presente. As crianças já estão com sono. Há mais um fogo para apagar, o do merecido descanso. Na realidade, aquilo que nos une é a família. Haverá sempre sofrimento. Prova disso foi a chegada do novo dia. Logo pela manhã fui à Santa Missa. Ouvi o sacerdote na sua homilia referir que as coisas de Deus não podem ser colocadas ao nível das coisas humanas. Que devemos agendar corretamente as nossas preferências de modo a não faltarmos à missa dominical. Tinha razão o sacerdote. Hoje em dia deparamo-nos com um abandono silencioso, ou seja, as pessoas vão aos poucos pondo de parte a fé (e as práticas a ela ligadas), enquanto fenómeno subtil, discreto, silencioso. Contudo, acredito que as comemorações do Centenário das Aparições de Fátima, que concluíram recentemente, tenham o condão de congregar mais praticantes, reavivando a fé em muitos corações. É trabalho de todos nós! Tive oportunidade de constatar a presença de muitos jovens e crianças, bem imbuídos de um espírito sobrenatural, de uma fé firme.

Ao final do dia, veio a noite, bem como os inúmeros telefonemas para saber se estávamos bem. O país estava a arder. Que momentos angustiantes, de um sentimento de grande impotência, perante o horror que se vivenciava. Recorri à oração. O terço constituiu uma arma poderosa. Ainda recentemente o Papa Francisco, na sua mensagem para o encerramento das comemorações do Centenário das Aparições de Fátima, tinha exortado a que rezássemos o terço nesta terra de Santa Maria, mas será que o estamos a fazer? Senhora de Fátima, rogai por todos os que se encontram a viver momentos de aflição. Não vamos certamente, enquanto cidadãos responsáveis, deixar que todas estas mortes tenham sido em vão. Vamos honrar a sua memória, rezando para que conceda luzes e graças aos responsáveis políticos para que seja feito o que se torna necessário modificar. Este é o tempo de chorar os mortos, de ajudar a reconstruir, de solidariedade, de lutar por criar melhores condições de modo a que se alcance a segurança, a paz e o bem-estar das populações.

Maria Helena Paes



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